By then the first gray hairs were showing up, his belly
grew up a little signaling that he was growing old and his liver started
to protest. The gigolo profession is a healthy one, but it doesn’t prevent
old age. And a gigolo in love suffers as much as an armless worker.
Marcos Rey
O maior receio de Mon Gigolô era o de que alguém descobrisse
que amava uma moça chamada Celina, a quem (verdade!) dava até
dinheiro. Só os seus amigos íntimos, entre eles Gianini,
sabiam disso, mas lhe respeitavam, sem comentários, o segredo e
a fraqueza. Por ela, inclusive, trabalhara durante dois meses a fio como
uma espécie de relações públicas duma firma
comercial, quando a esposa do patrão lhe ofereceu uma bela carteira
de couro alemão e ele perdeu o emprego.
Mon Gigolô muito cedo, muito cedo mesmo, teve de cavar a vida,
pois, tendolhe morrido a tia, que era amante de seu pai… Bem, passemos
por cima desse capítulo. Sempre que se fala de sua família,
surgem logo os incrédulos e aqueles que nos acusam de pecar pelo
exagero. Como dizíamos, desde a mais tenra idade, Mon Gigolô
teve de enfrentar o mundo. Não contava ainda vinte anos quando organizou
uma biblioteca circulante que lhe garantiu, através de alguns invernos
sem casaco, o pão de cada dia. Era uma vintena de livros pornográficos,
uns dois ou três ilustrados, que alugava a preços extorsivos.
Cobrava o aluguel dos livros por hora e, se a obra era das mais valiosas,
exigia depósitos.
— Me dê um daqueles livros — pediam-lhe.
Mon Gigolô retirava uma ficha amarela do bolso:
— Preencha a ficha.
— O quê? Não confia em mim?
— Voce é uma flor de criatura, mas eu vivo disso, meu caro.
Ampliando o seu comércio, e como tudo se expande nesta extraordinária
metrópole, Mon Gigolô passou a vender retratos e figuras obscenas,
que levava dentro duma pasta, envoltas em papel de seda. Diante dum provável
comprador, mostrava apenas uma, “filando” como no poker,
para lhe aguçar a curiosidade. Usava também esse material
como brinde de Natal aos leitores de sua biblioteca.
Certo dia, Mon Gigolô entrou numa gravadora de discos, impulsionado
por uma idéia genial:
— É para ficarmos ricos, meus senhores!
— Ah, sim?
— Abram os ouvidos e ouçam.
Mon Gigolô queria gravar um longplay, intitulado Noite
de Núpcias de Dois Tarados, todo feito com ruídos imorais.
Seria o mais belo e arrojado trabalho de contraregra e sonoplastia já
realizado. O longplay correria o mundo, com a vantagem de não
requerer tradução, e traria a fortuna na volta.
O dono da gravadora repeliu:
— O que o senhor propõe é um absurdo!
Mon Gigolô fechou a cara:
— Um dia embarco para a França, vendo a idéia e vocês
ficarão com água na boca.
Sempre tentando novos empreendimentos, Mon Gigolô fundou no barracão
da casa dum amigo celibatário um cineminha para a exibição
de filmes eróticos. Ele mesmo se colocava atrás dum guichê
improvisado e cobrava por uma entrada o preço dum camarote do Municipal.
Depois, ia pôr a máquina em funcionamento.
A polícia bateu lá:
— O senhor está preso.
— Por quê?
— Atentado aos bons costumes.
O exibidor clandestino ficou furioso:
— O que os senhores entendem de cinema? Que autoridade possuem para
julgar um trabalho de arte?
— Recebemos denúncia.
— Olhem, vão sentar na primeira fila e vejam que grande filme
é A Loura e o Cachorro. Coisa francesa da melhor qualidade.
Os policiais atenderam ao pedido. À saída, humildes, perguntaram:
— A gente pode voltar na semana?
Mais tarde, ele surgiu com a idéia de fundar uma revista. Dizia
que era uma publicação destinada a combater a degeneração
dos tempos modernos. Produziu com razoável habilidade um “boneco”
para exibir aos acionistas e anunciantes, em cuja primeira página
se lia um editorial assinado por um padre. Em cada uma das páginas
e em algumas páginas duplas, as pessoas que folheavam o “boneco”
arregalavam os olhos ante as cenas da mais grosseira e imaginável
pornografia. As legendas, no entanto, eram dum puritanismo azedo: “Vejam,
senhores, a que ponto chegou a humanidade!”; “É preciso
acabar com isto ou não?”; “Não mostre esta foto
a seus filhinhos!”; “Observem o que estes dois debochados estão
fazendo!”; “Onde está a polícia que não
vê isso?”.
O apelo final à vigilância da polícia encontrou
eco e Mon Gigolô foi preso logo no lançamento da revista.
Ao sair da cadeia, esperavao um emprego de picotador num taxi-girl.
Mas não se demorou ali: abriu uma boutique de bibelôs
obscenos, cartões postais indecorosos e livros proibidos. Chegou,
dizem, a reunir excelente freguesia e a comprar um Citroen usado, mas a
polícia novamente implicou com ele e fechou-lhe a loja. Não
se deu por vencido: foi cantar velhos tangos num cabaré e deu início
à sua carreira de gigolô, com um êxito que despertou
inveja e ciumeira em seu meio. Homem vivido e com alguma leitura, baseava-se
nuns determinados pontos para conquistar uma mulher:
a) Costumava dizer que sabia ler as linhas das mãos. Segurar
a mão duma jovem por largo espaço de tempo era um passo para
a posse. Além disso, a quiromancia permitialhe penetrar na intimidade
da mulher desejada.
b) Quando se interessava por uma mulher, mandavalhe flores. Todas as
mulheres gostam de flores.
c) Fingia gostar de tudo que sua presa gostava. Suas predileções
sempre coincidiam com as dela. Se gostava de crianças, comparecia
aos encontros levando pela mão os filhos de alguns amigos e mesmo
crianças que andavam sem léu pelas ruas.
d) Era aos olhos da mulher um grande infeliz e uma grande vítima.
Tudo que ganhava era para o sustento da mãe doente. Amara uma vez,
sim, mas a amada morrera duma doença horrível nas vésperas
do casamento.
Graças a esse esquema, Mon Gigolô ia vivendo. Na primeira
oportunidade, mudavase para o apartamento de suas apaixonadas. “Não
suporto a vida longe de você, bonequinha. Vamos repartir as despesas”.
Em seguida, com muito jeito, convenciase de que não era ciumento.
Não se importava se elas tivessem outros amantes. Compreendia a
vida era homem superior. Chegava até, descaradamente, a ficar íntimo
dos seus “rivais”, apresentando-se a eles como “primo do
interior”. Após a mudança de apartamento, punhase a
mancar e dizia às amantes que sofria duma paraplegia incurável
e por isso não podia trabalhar. Para outras, explicava que lhe negavam
trabalho porque era comunista. Se a amante possuía jóias
e objetos de valor, sugeria que os vendesse. Com o produto das vendas,
faziam belos passeios e temporadas nos bons hotéis no Guarujá.
As amantes de Mon Gigolô eram as mais variadas na forma e no conteúdo:
dançarinas de cabarés e taxigirls, cabeleireiras,
uma senhora que vendia roupas a domicílio, uma húngara dona
dum restaurante, onde ele fazia refeições e mesmo levava
outras mulheres, sem pagar a conta, a caixeira dum grande armazém
central (que lhe passava furtivamente litros de uísque), uma viúva
com três filhos e alguma economia, a quem ele chamava de “mamita”;
intermitentemente explorava uma velha cantora de rádio e a amante
dum combativo deputado da oposição; tirava muito dinheiro
das Mexicanitas, uma dupla de irmãs que cantava e dançava
nos “inferninhos”; mensalmente dava um giro com uma professora
solteirona magra como um cabo de vassoura, a quem pedia dinheiro para completar
um curso de química, e finalmente noivava a sério com uma
parteira que tinha a cara e as cicatrizes faciais do expugilista Rocky
Marciano, além de simples namoradas, entre estas, balconistas, manicuras
e moças de espírito aberto. Um homem, sem ter a figura do
Rodolfo Valentino, pode fazer muita coisa nesse terreno se se dispuser
a trabalhar oito horas ou mais por dia com o afinco e a dedicação
do Mon Gigolô.
Estava ele numa fase de sucesso, muito íntimo das Mexicanitas,
quando conheceu a pequena e tênue Celina. Foi num trajeto de bonde.
Costumava viajar de bonde e de ônibus para fazer novas conquistas.
Nos veículos coletivos, os homens têm o pensamento no lar
e no trabalho. Bem barbeado, sempre cheirando a colônia, Mon Gigolô
subiu num coletivo sem pressa, muito calmo, e com os olhos abertos. Sentouse
ao lado de Celina, que viajava com um livro sobre as pernas.
Mon Gigolô esticou os olhos: Bom Dia, Tristeza, de Sagan.
— Ah, dulce France… — suspirou.
Ela voltouse, interessada:
— O senhor conhece a França?
— Morei no Quartier Latin. Fala francês?
— Não.
— Pena.
Alívio, isto sim. Mon Gigolô arranhava o castelhano, que
aprendera com amantes chilenas e paraguaias, mas nada entendia de francês.
— Gosta de Paris?
— Para mim só existe Paris.
Ledor de Paulo de Koch, começou a falarlhe do Paris do século
XIX. Na verdade, Paris é sempre a mesma. Mas ele abusava: conhecera
Toulouse Lautrec, Gauguin, Van Gogh, Émile Zola e todos os luminares
das artes.
— Bem, vou descer aqui.
— Coincidência eu também.
Foram caminhando juntos pela rua.
— O que o senhor faz?
— Arquiteto.
— Bonita profissão.
— Linda.
No dia seguinte, Mon Gigolô esperou Celina no ponto do bonde.
Trazia na mão uma rosa roubada dum vaso das Mexicanitas.
— Como o senhor é atencioso!
No outro dia, um pacotinho de bombons: uma das Mexicanitas adorava chocolate.
— Você adivinha o que eu gosto.
Ela trabalhava num escritório, secretariazinha dum patrão
insignificante. Mon Gigolô seguroulhe a mão:
— Até outro dia.
— Não vem amanhã?
— Viajo. Minha mãezinha, que mora em Sorocaba, está muito
doente. Não sei quando posso voltar.
Fazia parte do plano. A ausência de alguns dias quebraria o hábito
dos encontros e Celina mergulharia na saudade. Uma semana inteira Mon Gigolô
foi visto, naquele horário, passeando na Barão de Itapetininga
com caixeirinhas fardadas. Ao voltar à Celina, levava na mão
um presentinho.
— Mamãe mandou para você.
— Ela está melhor?
— Tive de internar a coitadinha.
— Filho único?
— Filho único.
No sábado foram comer feijoada. Depois, cinema. À saída
do cinema, drinque. Mas ainda era cedo: foram se agarrar no Je Reviens,
onde Mon Gigolô tinha cadeira cativa.
Numa semana, estavam íntimos. Nessa ocasião, Mon Gigolô
morava num minúsculo apartamento da Jaguaribe, que pertencia a um
amigo em viagem. Traçou um plano para atrair Celina ao apartamento.
— Ando muito doente — disse-lhe. — Vou ter de ficar algum tempo em
repouso absoluto.
— Não vou ver você?
— Ficarei na janela, se quiser me ver. Não lhe convido para
ir ao meu apartamento porque você daria a bronca.
Da janela do apartamento, Mon Gigolô viu Celina. Ela lhe falava,
alto, mas ele, levando a mão em concha ao ouvido, fingia não
escutar. Cansada de gritar, ansiosa por saber como ia de saúde,
resolveu subir as escadas do prédio.
— Não… não… — implorou Mon Gigolô quando ela
entrava. — Eu a amo demais para ficar a sós com você num
quarto.
A moça foi entrando, admirando a honestidade dele. Sentaramse
na cama. Beijo daqui, beijo dali. Palavrinhas faladas nos ouvidos. Risinhos
maliciosos.
Ela então se abriu:
— Tive um namorado que…
— Canalha!
— Mas sempre fui moça direita, apesar daquilo.
— Minha bonequinha…
Começou assim. Dias depois, chegava o dono do apartamento e Mon
Gigolô ficava sem teto. As Mexicanitas recebiam uma tia e não
podiam lhe dar espaço em sua casa. A sósia de Rocky Marciano
andava brava. A professora morava com um irmão. O jeito era morar
no apartamento dela.
— Para economizar, o melhor é morarmos juntos.
— Claro, meu bem.
No fim do mês, ele teve uma crise de melancolia:
— Vida miserável…
— O que há?
— A inflação… Viu como subiu o dólar?
Ele não podia ajudála no pagamento do aluguel.
— Tenho dinheiro.
— Bonequinha…
Mais íntimo, confessoulhe um dia que não era arquiteto.
Estudara, mas não se formara. E como seria possível se todo
o seu dinheiro mandava à mãe doente? Como? Realmente era
impossível. Celina compreendeu.
— O que eu ganho dá para nós dois.
Gigolô ficou triste, porém não disse nada. Dias
depois, ela, ele e um judeu, dono duma loja, iam a um restaurante. Antes
da saída, explicou à Celina:
— Homem cheio do ouro.
No restaurante, o judeu encantou-se pela moça. Mon Gigolô
levantouse para pentear os cabelos e demorou-se uma hora. Na volta, Celina
disse:
— Não gostei do seu amigo.
— Homem bom está ali.
— Um desavergonhado é o que ele é.
À noite, Mon Gigolô ficou no apartamento a contar longas
histórias à Celina. Fezlhe ver o futuro negro que os aguardava.
A inflação, a alta dos preços, a falta de empregos,
a falta de crédito, a falta de confiança. Um discurso tenebroso,
amargo, desanimador. Havia uma ameaça à porta: a fome.
Celina se ofendeu:
— Quer que me entregue ao judeu?
Mon Gigolô abriu cervejas, cantarolou um tango e no fim lhe estendeu
a mão:
— Adeus…
— Aonde vai?
Sacudiu a cabeça dramático:
— Por aí… Só Deus sabe…
— Mas o que há?
— A alta, a inflação, a falta de crédito…
Celina não permitiu que o amante se fosse:
— Fique.
No dia seguinte, os dois, mais o judeu foram ao cinema assistir a uma
reprise do Motim a Bordo. Depois, comeram uma pizza no Gigeto. De
tudo que o judeu dizia, Mon Gigolô se ria. Achavao simpático.
Naquela semana, ao voltar do Minueto, ele encontrou Celina amuada. Apontou
para a cama onde estavam algumas notas de mil.
— Olhe, o judeu deixou.
Mon Gigolô, discreto, não perguntou nada. O dinheiro dava
para pagar o quarto e sobrava para algumas despesas extras.
— Vou ao bar comprar uma Brahma e volto logo.
Depois do judeu, Mon Gigolô apresentou à Celina um próspero
corretor de imóveis, o Abreu. Este deixava algumas camisas no apartamento
que ele usava. O Pestana, conhecido colunista de jornal, ajudou também,
como pôde, o necessitado casal. Depois veio o italiano Gino, homem
sério e compenetrado.
— Celina, quero lhe apresentar o Romeu.
— Prazer, senhorita.
Romeu tinha um carro esporte, usava blusa de couro e trabalhava num
grande escritório do pai, a quem chamava de “papai”. Era
a melhor apresentação que Mon Gigolô fizera à
Celina, e com uma vantagem: o rapaz supunha que os dois fossem primos.
Para afastar qualquer suspeita, Mon Gigolô deu a entender a Romeu
que era homossexual.
Certa noite, ao voltar para casa:
— Celina… Celina!
A moça chegou depois dele!
— Voce já está aí?
— Saiu com o Romeu?
— Com o Romeu.
Mon Gigolô estaria enciumado?
— Cara chato, não?
— Não é chato, não. Você acha?
Mal chegava do trabalho, Celina embarcava no carro lustroso do Romeu
e entravam noite adentro. Só voltava de madrugada. Vinha abrindo
a boca.
Mon Gigolô andava bronqueado.
— Por que perde tanto tempo com esse otário?
— É dele que vem o tutu, não é?
E vinha mesmo.
— Onde arranjou esse anelão?
— O Romeu.
— É de ouro, no duro?
Celina enfiouse debaixo das cobertas e dormiu. De manhã cedinho
ela acordou, cantando.
Eu amanheço, pensando em ti…
Eu anoiteço, pensando em ti…
Mon Gigolô fez a prova do tango: cantou, quase com fúria,
o Mano a mano. Como ela parecia insensível, dobrou a parada
com o El dia en que me quieras. Mas Celina estava noutra “onda”.
Os amigos de Mon Gigolô, aquela semana, foram encontrá-lo
embriagado no Minueto.
— Porre?
— Dor de cotovelo, Gianini.
— Você?
Ninguém acreditaria, era melhor esconder o fato. Tentou reconquistar
Celina.
— Olhe, toma para você.
— Três mil! Onde arranjou?
— Estou comprando e vendendo.
— Comprando e vendendo o quê?
— Tudo.
Mentira: Mon Gigolô pedira o dinheiro a uma das Mexicanitas. Queria,
no entanto, uma recompensa: sair com Celina.
— Ah, hoje não…
— Vai sair com o cretino do Romeu?
— Vou.
Ele ia perdendo a linha:
— Dê o bolo nele.
— O bolo? Não sou besta. Quem dá o tutu? Não é
ele? Mon Gigolô visitou todas as suas amantes e examantes. Não
foi muito feliz. A parteira amigarase com um rapazinho que jogava sinuca.
As Mexicanitas estavam de partida para o Rio de Janeiro e depois iriam
a Brasília. A tal viúva ia casar. A caixeira do armazém
só fornecia bebidas. Pensou até num emprego.
— Tem documentos?
Pôs a mão no bolso. Tinha, sim, mas se visse seu nome registrado
numa firma e fosse obrigado a assinar o ponto, morreria de vergonha.
— Vou buscar.
O certo era dedicarse à sua verdadeira profissão. Cada
macaco no seu galho. Mas só pôde medir a extensão de
seu ciúme quando viu Celina e Romeu, ambos felizes, passarem no
carro esporte. Resolveu percorrer todas as boates para encontrálos
e fazer escândalo. Conseguiu localizá-los, na décima.
Mas se acovardou e permaneceu no balcão, enchendo a cara.
Voltou para casa e se plantou à espera de Celina. Ela só
apareceu no dia seguinte, depois do meio-dia.
— Não foi trabalhar?
— Esqueceu que é sábado?
Ele já perdera a noção dos dias. Esquecera também
os seus planos frios, matemáticos, calculados, e fazia perguntas
que a técnica não recomendava:
— Gosta de mim, Celina?
— Que pergunta.
— E do Romeu?
— Ele é bonzinho.
— Vocês andam juntos todas as noites?
Uma tarde bela e ensolarada encontrouse com o Romeu na rua.
— Alô, Romeu…
— Queria lhe agradecer, amigo… lhe agradecer…
— O quê?
— A garota que você me apresentou. É uma uva!
Mon Gigolô voltou para o quarto embriagado e lá não
estava Celina para desvesti-lo. Sozinho, cantou um dos tangos, na noite
mais solitária de sua vida.
Aquela semana tentou várias conquistas, todas fracassadas, inclusive
com uma manicura que faturava bem. O amor atrapalhavalhe os cálculos.
Cometia erros, falhava o bote, saía tudo errado.
— Fique em casa hoje, Celina.
— Ah, não posso…
Começou um tango que ela não ouviu todo porque tinha pressa.
Ele surrou o travesseiro.
Dias depois, desesperado, propôs à amante:
— Por que não vai duma vez com o Romeu?
Ela riu:
— Quem não quer é ele.
— Por quê?
— Só quer passar o tempo.
— Por isso você se gamou por ele, não é?
Mon Gigolô pensava até em suicídio quando travou
contato com uma senhora muito refinada, D. Zuleika. Dizendo-se ter sido
diplomata, conseguiu conquistar-lhe o afeto. Ela morava num rico palacete
com duas criadas e um motorista japonês. Mulher rica e generosa.
— Se você fosse pobre, gostaria de ser seu amante — dizia-lhe
Mon Gigolô.
— Meu dinheiro impede?
— Impede, sim, porque sou pobre. Todo poeta é pobre.
— E recitou, como seu, um poemeto de Guilherme de Almeida.
— Lindo
Mon Gigolô não saía de sua casa.
— Venha viver aqui.
— Não posso, moro com minha velhinha doente.
— Filho único?
— Filho único.
D. Zuleika tinha uma proposta:
— Se prometer fazer versos para mim, lhe dou uma mesada.
— Não abandono nem você nem a poesia. São a mesma
coisa para mim.
— Traga um novo poema, amanhã.
Ele passou pela livraria Brasiliense:
— Me dê um livro de poesias. Bom, hein?
Tinha boa letra e copiava os poemas com capricho.
— Zuleika, veja se gosta deste que eu “bolei” ontem.
Ela ouvia atenta:
— Gostaria de publicar um livro? Financio.
Mon Gigolô corou:
— Não, meu amor. Escrevo só para você. Jamais mostre
esses versos a alguém. Jura?
— Mas são tão bonitos
— Jura?
Na primeira quinzena de amor com D. Zuleika, Mon Gigolô correu
com a carteira cheia para o apartamento. Felizmente a sua amada estava
lá.
— Vamos sair, Celina?
— Hoje podemos.
— Ainda bem.
— Mas o Romeu vai junto.
Mon Gigolô riu, nervosamente:
— Isso é ridículo. Ele ir junto
— O que há de mais nisso? Sempre saímos em três.
Esqueceu?
Tristemente, Mon Gigolô aceitou a proposta. Saíram os três,
juntos. Foram ao cinema e depois a um restaurante. Como houvesse muito
vinho à mesa, Romeu soltou a língua:
— Sabe, primo, que eu e Celina nos amamos?
— Não sabia.
— Queremos o seu consentimento.
— Para quê?
Romeu sacudiu os ombros:
— Para nada.
Mon Gigolô consolavase nos braços de D. Zuleika. O dinheiro
que ela lhe dava, transferiao para Celina. E não era dinheiro fácil,
pois a ricaça era feia e ele tinha que copiar os poemas dos livros
de Guilherme de Almeida e Olegário Mariano. Foi nessa época
que lhe apareceram os primeiros fios de cabelos brancos, que a barriga
lhe cresceu um pouco, mostrando a chegada da idade, e que seu fígado
assinalou os primeiros protestos. A profissão de gigolô é
saudável, mas não afasta a velhice. E um gigolô apaixonado
sofre como um operário sem braço.
— Como se chama esse poema? — perguntava D. Zuleika.
— Carta à Minha Noiva.
— Você é sublime!
Mon Gigolô esperava impaciente o pagamento da quinzena, mas sem
uma palavra de revolta. Com ar apaixonado, recitava os poemas para D. Zuleika.
Nos dias 15 e 30, recebia, pontualmente, e dava quase tudo à Celina.
— Não é preciso tanto! Romeu tem me dado…
— Ora, compre um troço qualquer para você.
— Mas como é que tem ganho?
— Comprando e vendendo.
O dia do pagamento era feliz para Mon Gigolô porque ia passear
com Celina, embora na companhia de Romeu. Não havia nada mais humilhante,
mas alimentava a esperança de que algum dia um se cansasse do outro.
Aí jamais apresentaria alguém à Celina. Talvez se
casasse com ela. Ninguém teria nada com isso.
Numa dessas noites, Romeu deu a notícia:
— Sabe que eu e ela vamos casar? Sabia, primo?
Era verdade, Celina confirmava. Os papéis estavam prontos: haviam
corrido na surdina.
— E sabe quem será o padrinho?
— Aceito — respondeu Mon Gigolô, sorrindo com hipocrisia.
Celina segurou-lhe a mão sobre a mesa, pela primeira vez sentindo
que ele a amava.
— Visitarei você — disse ela. — Afinal, somos primos.
Desta vez ele sorriu de verdade: a coisa ia continuar, mais pecaminosa
com o casamento. O enganado seria Romeu. Celina, amante do padrinho, do
falso primo. Voltaria a ser o verdadeiro Mon Gigolô.
Quem sabe, até através dela, conseguisse dinheiro do marido
otário?
— Uma vez por semana irei ver você — ela confirmava.
Com alma nova, já sem ódio de ninguém, Mon Gigolô
deixou os noivos, despedindose cordialmente de Romeu, e foi andando a pé,
muito feliz, rumo à cidade.
— Bom moço, o seu primo — ouviu Romeu dizer à Celina.
Quando Celina, horas mais tarde, chegou ao apartamento, já encontrou
Mon Gigolô. Com toda a atenção, com uma letra redonda
e caprichada, copiava os versos dum livro aberto sobre a mesa. O melhor
aluno da classe fazendo a lição.
— Boa noite, padrinho! — exclamou Celina.
Mon Gigolô piscou marotamente um olho e voltou ao trabalho.
Originally published in O Enterro da Cafetina,
Marcos Rey, Civilização Brasileira