Joãozinho da Babilônia

Joãozinho da Babilônia

We went out once, twice, in the third one, I don’t
know, she offered me money. I took it, naturally. I gave her some advice.
She should think twice. Batistão was a horse, but angry and jealous,
always boasting about his machismo, always close to his Mauser pistol.
She became furious and scolded me:
By

— You guy, you have no business giving me advice.

João Antônio

“Se os meus suspiros pudessem

Aos teus ouvidos chegar,

Verias que uma paixão

Tem poder de assassinar.”

Modinha do tempo da corte portuguesa de D. João VI
no Brasil

“…apesar da idade, tinha tanta coisa para me ensinar
na cama que eu perdi o remorso.”

Um pensamento de Joãozinho

Por último dei para zanzar, pegando o rumo da praia.

Ando, cato a direita, para a praça Serzedelo Correia. Jornal
que compro não abro, vai debaixo do sovaco. Lerdo, pesado até
a pedra do Leme, quietamente. À frente não há luzes,
mas o mar escuro; passo o calçadão, as areias e me sento
nas beiradas. Mando ao diabo uma lembrança. Mas sinto um medo. Um
vento frio batendo na cara e me vem um samba, dos antigos, besteirada,
engrupimento, gemido lá no inferninho:

“Vem, amor, que é fria a madrugada

E eu já não sou mais nada

Sem seu calor.”

Num minuto, a cabeça nas mãos, devo ter chorado. E se
Guiomar me visse assim, agachado, encolhido nas areias, me acharia desengonçado
e menor do que sou. Não iria acreditar, são quatro horas
e não bebi uma gota.

Se chorei, se não chorei, ninguém via. As costas das mãos,
enormes, vão limpar a cara. E a madrugada geral vai continuar.

Bastava uma casa no subúrbio, quarto e cozinha.

Não jogo, tenho bebido pouco e quando a noite acaba e me raspo
do Danúbio, no rabo da manhã, não vou pra casa. Enfio
pelo comprimento de uma rua e fico, tocando, de bobeira. Muita vez, ali
pelas cinco, topo os pescadores que saem pro mar, no Forte de Copacabana,
topo mendigos e moleques, corpos suados, arriados aos barcos, estirados
em folhas de jornal.

Aqueles não têm para onde ir, dormem na praia. E são
os que fazem Copacabana àquela hora.

Cedinho, velhos barrigudos e caquerados fazem ginástica, custosamente.
Correm nas areias, correm frouxo, bufado. Velhas sacodem celulite e pelancas
nos maiôs fora de moda, largos. Aborreço a velharada; para
o Arpoador e fico tempo sem fim. Do alto das pedras da Praia do Diabo,
sentado, vejo a garotada vermelha, crioula e de sol nas pranchas, meninos,
rapazinhos, cabelos voam no surfe. Outra gente, de dinheiro. Pranchas rápidas
brincam, equilibram, caras, perigando, lisas, ariscas ganhando a frente
da crista das ondas. Mas aborreço.

Uma casa no subúrbio, quarto e cozinha. Chegava. Ou já
seria um começo de vida.

Coisas de que gostava, me irritam; jogo e bebida me cansam, acho que
ando só. E bem. Curto isto por dentro, me tranco. E me pesa numa
pancada só, numa porrada só.

De novo, como um merduncho, pego o calçadão de Copa. Quatro
horas e nenhum conhaque. Xingo a lua.

Assim de repente, num susto, penso em Guiomar, no caído bonito
de cabeça para trás e para os lados. Olho o mar, onde meus
olhos afundam e dou com uma porção de coisas doces, menos
pesadas, nenhum medo, limpas, boas, nenhuma sacanagem, claras. Lembro o
samba do inferninho. Fico virando uma porção de coisas na
cabeça, sem sentido. Dou um tempo de cara para o mar.

Barulho do mar nada resolve. Tinha mais mistério lá, na
parte de cima da sua cara, do que nesta merda de mar grande que eu vejo
ainda agora. Tinha mais segredo e provocação lá no
canto da sua boca do que no quebrar das ondas. Tinha mais perfume ali,
na risca do seu cabelo; tinha mais cheiro, chamado e violência ali,
quando ela beliscava no canto da boca o dedo mínimo, do que quando
o mar tenta gritar, de encontro às pedras, no preto-escuro das madrugadas
que curto, eu e só. Tinha mais de tudo ali, dentro dela, com sua
mão pequena, com seu sapato sofrido, com a bolsa que só poderia
ser sua, com seu agasalho marrom surrado, suas ilusões, manhas,
preguiças, gatices, com os olhos sonsos que iam e vinham, riam e
espetavam, do que em todo o barulho que o mar tem. E não tem.

Caído bonito de cabeça, Guiomar. E o mar não parece
tenha mais segredo que o seu recado — batia curtido e recurtido, direto
vindo neste peito largo e já cansado, a que um bem não chega
e não chega e não chega: E chegou e já acabou e está
frio, e esquenta de novo e de repente — agora não entendo mais,
sem uma gota de álcool na cabeça. E me pergunto se com mulher
nova nesta vida a gente pode nascer de novo.

O mar não tem, está longe disso. Ela toma conta das pedras,
do mar e de mim. Fica até pequenininho e bem, diante daquelas duas
coisas quase no alto de sua cabeça — aquelas duas luzes ali, debaixo
da fronte e antes do seu nariz. Até pena desses caras que me disse
terem passado por sua vida — não enxergaram esses dois mares. Babacas
dos babacas!

Eu me contenho diante do mar. Os seus olhos eram dois. Escuros, sonsos
e onde o cais? Aperto o passo, ando esta Copacabana, me consolo. Seus olhos,
dois mares.

Copacabana, Copa dorme, ronca como uma porca enfarada, entupida — escrota
— de sacanagens e gentes.

Nem assobio, nem durmo, já devo ter parado de chorar. Andei da
pedra do Leme ao banco da praça do Lido. Acho que perdi e espero,
morto, mortinho, o sol da manhã. Desacompanhado como quem se preza.
Sol, mar, os claros do céu. Tudo dói e redói nos olhos
que não dormiram. Os camaradinhas observam. Dia desses, um dos músicos
da casa me largou a liberdade:

— Ô, cara, que encabulação! Isso é mulher.

Luz nascendo lá no horizonte em cima do mar, luz de verão.
Seja o que Deus quiser. Estou no rabo da manhã e a hora é
esta. Pego um ônibus, pego um trem, vou esticar minha solidão,
na cama, em casa, lá em Madureira.

Então, o músico:

— Mulher é como folhinha da parede. Você puxa um dia, tem
outro atrás.

—————

Estando no Rio, Batistão pula cedo da cama e se manda a vagabundear.
Às nove, vai de velho na rua.

Desce no centro e começa a bebericagem ali pelas dez da manhã,
no Bar Carioca, faz lá o primeiro expediente com chope ou cerveja
gelada. Pausa pra almoço. É de se ver. Batistão toca
para um restaurante antigo da Buenos Aires, quase Primeiro de Março,
desses que ainda têm mesas de mármore e cadeirinhas austríacas.
Pede filé malpassado. Zangado com a demora, bebe uísque com
água, coloca os óculos e olha o jornal na coluna do Estado
do Rio. Põe cara importante; compenetrado e entendido, torce o nariz,
reprova tudo. Vem o filé, quase cru, dispensado de arroz ou acompanhamento.
Mas o velho não come. Masca, masca, mastiga. Chupa a carne malpassada
e devolve com a boca ao prato, como gomos esmagados de laranja. Come feito
um gato velho, agachado, não usa garfo ou faca, só a boca.
Até os garçãos se viram para não assistir.

Depois da carne mascada, vai à rua do Ouvidor, na Casa Pará
compra três holandeses da marca Duc George. Inaugura o primeiro charuto
do dia e segue, lerdo e atento, sondando pernas que passam até a
porta da Colombo, onde se empertiga, importante, piadista e gaiteiro, bulindo
com as mulheres, jogando galanteios à antiga para as menininhas
comerciárias da Gonçalves Dias. Ali arrasta a tarde, se insinuando
para as mulheres da rua ou financiando algum lanche caro no interior da
confeitaria, onde os lustres e os espelhos laterais mostram empregados
de libré e certa classe antiga. Numa mesa, ao lado de uma garotinha
que come e toma frappé de coco, Batistão já
meio bêbado, vermelho, gordalhudo, suado no pescoço enrugado
e na testa, entornando cerveja gelada, falando alto e grosso aos garçãos
solícitos, quietos e aporrinhados.

Na rua Chile, um bar chamado Régio recebe à tardinha Batistão
e outros veteranos, comidos e dormidos. Uns cochilaram em casa; outros,
no cinema. Tomam o reduto com risos, papos e joguinhos de palavras escritos
em papéis, que chamam de trova. É ponto de apontamento dessa
companheiragem de certa faixa da boêmia. A maioria grossa da turma
é dos que vão para casa às onze. Outros, poucos, estendem
a noite até o Amarelinho. Os mais acordados vão se embebedar
ainda nos giros ao que resta da Lapa e ao que há em Copacabana.
Perturbar. Bebemorar e esticar, como dizem.

Essa veteranice malcomportada se mistura a marafonas cansadas e a um
e outro biriteiro de verdade. A variedade de tipos inclui sujeitos com
trinta anos de janela, muita lenha para bebida e papo, gente aposentada
com bastante sede e história. Porém, sempre na condição
de boêmios alegres da noite. Só. Malandro nenhum, nem de passagem.
Uma boêmia calejada e fanada, feita por coroas erradios e vadiadores.
É o tipo do lugar onde o camaradinha já sabe, antes de chegar,
quem encontrará lá.

Há gente de trova em todos os grupos. Rimando, vozes empastadas
de cigarro e de bebida. Há uma curriola que só aparece às
sextas feiras. E uns quatro-cinco veteranos, quase setentões, que
se reúnem todas as sextas. Arrotam que fazem isso há uns
trinta anos, mudando de bar, pulando de ponto, conforme a cidade muda.
Firmes.

Mas das oito às nove da noite, movimento é diferente.
E aí, Batistão apita.

Vêm chegando, para ficar até fechar o Régio, os
que rondaram antes outros pontos do centro ou quem sabe onde. Chegam já
mordidos e beliscados e ficam plantados até as portas de ferro descerem.
Então, uma e outra bandida arrasta as asas em busca dos patrões
de bebida. O velho Batista é dos que convidam, oferecidos e gaiteiros.
Manda forrar a mesa. Uma que outra mulher, mais vivaça ou faminta,
aproveita e janta. Batistão paga, precisa de auditório para
as trovas.

Ali. Único lugar de beber dos que conheço onde se encontram
o que lá entre eles se chama os errados da trova. Porque a maioria
são babacas entoando. Mas no Régio, dando uma colher à
trova, há os de juízo: que chegam a fazer trova debochando
dela. Da boca desses chapolas, saem marotices engraçadas, com alguma
picardia divertida. Têm peraltices. Batista fica tiririca com os
errados, quando dizem que estão fazendo quadrinhas. Ele é
dos sérios, dos gordos trovadores, direitinhos, comportados. Fica
fulo com um dos errados que ali pelas tantas engrossa a voz e diz para
todos ouvirem:

— A trova é a bolotinha de cabrito da poesia.

No Régio não pinta malandro. A gente tira pelos garçãos,
dois: um, estranja e otário, está bem longe de surrupiar
ou marmelar nos trocos; o outro é um vivaço e só de
me olhar, tomando o meu chopinho lá na mesa dos fundos, já
sacou. No entanto, cordial.

A ocupação dura até as onze, entre vozerio, chope,
conhaque, batidas. Uísque também. Nessas beiradas das onze,
mulher que aparecer toma-lhe a grana. Uma noite, pinta no Régio,
uma vedetinha de televisão toda de longo, lambuzada de pintura,
pendurando postiços. Batista, rápido. Traz para o seu colo.
Já é otário ofertado.

— Dá um beijo no Batistão.

A artistinha bica e o velho lhe escorrega uma nota de cem.

— Agora dá outro aqui — e vira a bochecha.

Ela belisca mais cem.

Do Régio, Batista Pamplona desliza de carro particular até
a Cinelândia, dali ao Passeio Público. Parando. Da porta do
carro, dá espetáculo, cumprimenta conhecidos e gente que
nunca viu para chamar a atenção. Desce e, absoluto, pisa
o meio-fio.

E depois, ao que der e vier. Copa, Fátima, Leblon, Estácio,
praça Mauá, onde houver uma boca aberta, lá Batista
Pamplona. Entorna até o sol raiar, vai dormir mijado num hoteleco
com alguma piranha. Mesmo deixando Guiomar no apartamento do Flamengo.

O velho não dorme, desmaia.

—————

Mania de batucar na coxa, dar nó nas cadeiras, cheia de marra.

Se muito, me chega à altura dos ombros, pequetitinha. Mas tem
um caído de cabeça cheio de vida. Doce de mulher, pedaço,
gata tinhosa, isto aqui de picardia. E está aliviando a granolina
do coroa, a pivete Guiomar.

—————

Saravei meu santo nas águas da Barra. Vovó Catarina estalou
os dedos e fui benzido pela passagem do ano.

Regulou. A maré raiada me sorriu. Fui ganhando de chorrilho.
Levantei seis mil pacotes, nascidos duma insignificância apanhada
numa centena que multipliquei, com juízo.

—————

Por aí, na madrugada, tomo canja de miúdos de galinha
lá no Capela, topo uma dessas bandidetes de rua, que faz a vida
nos hotelecos e nos escuros da Mem de Sá. Muita vez, até
contra as árvores e contra os carros, nas curvas dos paralelepípedos
da rua Joaquim Silva, como quem faz que vai subir a ladeira para Santa
Teresa e acaba ficando na Lapa. Porque a fome é mais brava nas ruas
para a gente da noite. Ali, batalhando como as outras, chamando homem e
botando para dentro. Mas tem um quê. Os mocorongos só lhe
viam o rosto. E ela faz um jogado de cabeça para trás e para
os lados quando ajeita a melena toda preta. Aquilo poucos enxergam. Uma
criança, um quindim desta vida. Matreira na zanguinha para dobrar
os otários exigentes e metidos a mandões. E toma-lhes tudo,
a mulata Guiomar, dezessete anos. Só.

—————

Pule alta. José Rojas, treinador, me passou a égua Lalá,
picada de injeção, num terceiro páreo da noturna.
Um roubo. Noventa e cinco a ponta. Maré grande, fui buscar um tufo
de dinheiro.

—————

Um leão-de-chácara dos antigos me disse que, nos tempos
dos cabarés da Lapa, só um sujeito tinha crédito naquele
corrimento de casas. Ali tratando marafona como rainha e estourando bebida
importada, o freguês bebeu duas fortunas, levantadas com imóveis
em Teresópolis.

O homem era Batista Pamplona, doutor José Batista Pamplona, o
Batista falado do Estado do Rio. Batistão, como gostava de ser tratado
pelas mulheres.

—————

De outubro para cá, por umas transas marotas nas corridas, passei
a dormir pouco em Madureira, que os aprontos eram cedinho e eu me mandava
para a Gávea, saído do inferninho, o Bar e Boate Danúbio,
onde continuo sendo Joãozinho da Babilônia, leão da
casa.

Numa dessas estiradas da noite, dando um tempo entre as quatro e seis
da manhã, antes dos cavalinhos e comendo buchada no Capela, achei
Guiomar de coronel a tiracolo.

Sacava o veterano, que tive de aturar numa madrugada de mau jeito em
que ele entrou beijando mão de pistoleira como se fosse princesa
ou dama de sociedade. Pediu champanha francesa e acabou estranhando o pistonista
da casa. Difícil explicar que o músico não tinha nada
com a sua dançarina, uma piranha aguada e branca como lagartixa,
que lhe parecia beldade e paquerava, pelo prazer de entregar o ouro. Acompanhei,
maneirei o porre e a esbórnia, não me esqueci de cumprimentá-lo
pelo bom gosto e pela beleza de seu par constante.

Endeusado assim, o cavalo deslumbrou e a gorjeta veio dobrada. Recomendei,
jeitoso, que aparecesse. Dali para frente, conhecidos.

Grandalhudo, balofo, um desengonço. O velhão Batista,
de dentadura postiça, papadas e cabelos tingidos de caju, era uma
peça. Tinha a mania de bravo, charuto no bico e uma Mauser que não
tirava do cinto nem para ir ao banheiro — coisa dos graúdos lá
do Estado do Rio. Um molóide saído a mandão. Aquilo,
numa briga, não prestava nem para correr ou recolher as cadeiras
quebradas. Divertido, palhaço quando bebia, vermelho do pescoço
enrugado, onde a mulatinha se pendurava, com fingimento.

O mulherio aproveitava, se servia, depenava o veterano. Manjei aquilo,
cabeça no chão. Batistão era um endinheirado das salinas
do Estado do Rio, em São Pedro D’Aldeia. Um forte de grana, esbagaçador,
havia sido homem da lei, na mocidade; agora, vereador e outras palas. Desses
importantes, manda-tudo que viaja para Brasília e resolve.

Soberbo na vida, coronelão em cima da carne seca, virava um neném
na mão do carro novo Guiomar. Ali, uma dona de carnes firmes, pescoço
fino, canelinha de sabiá. Uma tanajura — e sabia. Batista, coronel
e gamado. Ela indo lá, firme, zanguinha, arrancando as coisas. Apaixonadão,
da gama preta, puxando um bonde por Guiomar. Vestindo, calçando,
comprando duanas e presenteando com jóias, dando um banho de loja
na mina. Saquei. Mas bico calado, vi com os olhos e lambi com a testa.

Bandidete de rua, malhada da vida, traquejada na muamba, como sempre
meio corrida da polícia, vivendo com um olho nos trouxas e outro
no camburão. Não falava a língua dos bacanas, quanto
mais de um abonado, um refestelado que anda até de avião.
Diacho. Carne é carne, peixe é peixe.

Ela quem me buliu, dando nó nas cadeiras, sacaneando, na cara
do velho. Tenho, relando, relando, quase dois metros; uma destas mãos,
duas de Guiomar. No aperto de mão, esfregou um dedo na minha palma.
E se mandaram os dois. Ele, capiongo de bebida; Guiomar, lá ia Guiomar
requebrando para eu ver.

Tem um código na noite — mulher ofereceu, malandro não
comeu, pau nele. Mulher oferecida é comida.

Levantei a pista da boca de um garção. O velhão
era zangado, se roía de ciúme, querendo a mulher só
para ele. Também por isso, montou apartamento, que a mulata devia
virar bacana numa rua do Flamengo. Sim. Telefone e outros leros. Sim. Mas
para vigiar, ligar de onde estivesse, azucrinar as noites, saber se estava
dormindo. Batistão vivia no Estado do Rio ou viajando, seus negócios.
Avisava que ia chegar e não chegava. Só susto. Sim. Dava-lhe
decisão: catasse com macho, cortava Guiomar aos pedaços.
A mulata emburrava, cabreira da vida saía pra noite. Ia zanzar por
Copa ou perturbar na Lapa. Aprontar, rever as amigas fuleiras, queimar
o pé na bebida. Sim. Parava, quando em quando no Capela e bem mamada
se abria com os garçãos e as amigas. Mem de Sá, lá
depois dos Arcos, de onde o velho Batista a arrancou, marafona qualquer
do pé lambuzado. Sim. Uma maria-judia fanada da vida. Batista enciumava,
lhe jogava na cara e aquilo doía. Então, ela cai pra rua,
vai perturbar, fariscar alegria.

Pus capricho na gorja do garção que me deu o serviço.
Toquei para a Central e peguei o caminho de casa, Madureira. Ia encalistrado.
O velho a largava em casa, sozinha. E metia bronca pelo telefone, ameaçando
arrepiar a vida dela se a achasse fora. Sim. Que ele sustentava. No apartamento
do Flamengo — ela e Deus.

Cada vez mais calado, no trem, comecei a olhar as coisas de baixo para
cima. Daquele tipo de boa vida, nem condenado gosta — na rua da Alegria
só tem tristeza e na Saúde só dá doente. O
veterano Batistão merecia um bom par de chifres.

—————

— Venho da pescaria.

Molhado de praia e já bebido, aparece de calção
de banho, sacudindo as gorduras às onze da noite e falando grosso
na porta do Balalaika. Descendo do banco de trás do carrão
com motorista particular e ar refrigerado:

— Chegou Batistão. Chegou o dinheiro. Me traga aqui o gerente
desta espelunca.

O pessoal tem de se virar. Arrumar roupa enxuta, roupa de baixo e o
diabo, sapato, paletó, gravata, àquela hora da noite. Para
o coronel Batistão continuar molhando o pé nas bebidas caras
e apalpando as mulheres.

—————

Deixasse pra lá, não era negócio meu.

Mas tinha coisa. De longe em longe, meio da noite, aturando um otário,
pegando friagem nas pernas, me lembrava da melena e do caído de
cabeça para os lados e para trás. Um quindim, uma graça.

E dei para seguir Batista, a troco nem sei de quê. Talvez pensasse
em lhe aprontar um chá. Havendo grana, malandro fareja.

—————

Fui apalpar Josefa Popopó.

Popopó, gritalhona. Piranha cinqüentona e faladora, das
que hoje pastam, curtindo fome e vadiando pelo centro da cidade, depenou
coronéis e fez tanto cafetão, na mocidade. Fala das glórias,
esconde os fiascos, pistoleira cansada. Mas, por um mingau de aveia e dois
ovos quentes, abre o bico. A troco disso, na Leiteria Silvestre, do largo
da Carioca, me conta, numa tarde, que o coroa é doente. Depois do
terceiro copo, desanda a urinar nas calças. Aí, zangado,
chama o garção e pede chope. Faz que leva à boca e
derrama, de propósito, onde se mijou. Dissimula, então, sério,
aliviado:

— Traga uma toalha para Batistão.

Popopó garante que o velho vai dormir mijado. Todos os dias.

—————

Quizumbeira é a mãe!

Brigam, brigaram feio, de paralisar o edifício. Embocetam-se,
quebram vidros e pratos, quase botam abaixo o apartamento. Guiomar cata
o sapato de salto alto e malha o velho, na cabeça. Vão parar
na delegacia da Pedro Américo, levados pelo tintureiro. Escândalo
no prédio de bacanas.

O comissário quer enquadrar Guiomar por agressão e o resto
da encrenca. Mas o velho, pelo caminho, no camburão, já perdoava
e quer as pazes. Mente que caiu no banheiro e o arranhão não
dói.

A mulata recebe o livra-cara com uma careta de nojo. Vão os dois,
de braço dado para dissimular, no banco de trás de um táxi.
Ao curativo e às chapas no Sousa Aguiar. Mal entram na Bento Lisboa,
Guiomar solta uma praga:

— Bunda mole, chupador!

Batistão alisa, atura, pede calma. Ela mostra a esfoladela no
antebraço e continua xingando a mãe.

Fica encolhido e no largo do Machado tenta beijar o ferimento, dizer
que não foi nada. Toma novo esporro. O motorista ri.

—————

Uma madrugada, acho Guiomar no Lido. Meio bêbada, cambaia saindo
do Alvorada e sapecando um esculacho no trouxa que a acompanha. No que
me viu, dispensou o gajo. Começa me lacrando que o corno velho está
em Brasília. Maneirei:

— Que é isso, comadre?

— É isso aí.

Guiomar remata que comadre é a madrinha dos meus filhos. Aí,
sorrimos.

O que aquela criança estava vendo num sujeito como eu, enorme,
quase dois metros, com vinte anos de janela, os cabelos pintando de branco?
Despistei, ainda. O velhão lhe dava boa vida e um daqueles não
se arruma todos os dias. Devagar com o andor. Cortou rente — tinha nojo
de Batistão. Mijava na cama.

Atento na guria. Fala a minha fala, malandroca; tem lenha e dengue e
esta coisa nos junta — vivendo de otários, na humilhação
e no vexame, tendo de suportar as vontades para levantar o tutu dos trouxas,
a gente tem bronca dessa raça. Diferença séria, raiada;
enrustida, represada. Quando a gente pode e não depende, eles que
têm que fazer as vontades, uma a uma. Ali. Todas. Pudéssemos,
seriam esfolados vivos. Todos e sem pena.

Atiçava um homem. Estava aí: gente minha, eu estava sentindo
amizade. A provocação ia em frente, chamando resposta, me
jogando que Batista a deixava em falta. Graça no jogado de cabeça,
uma menininha. Meus olhos nas pernas, nas ancas. Um de seus dedos bulia
no umbigo, que a camiseta da moda deixava de fora. A mão, depois,
foi batucar na coxa.

Ia machucar.

O beijo foi na boca, gemido. O sol começando a clarear o mar
lá do Lido, um frio me correndo. Na boca, sugado e bárbaro,
amassado, molhado de durar, chupão de novo, minha mão trazia,
passeava, conhecia, demorava, a brisa da matina batendo e levantando folhas
secas no chão da praça do Lido.

Joãozinho da Babilônia, apesar de falado, sabe só
uma coisa na vida. E bem. Acho que não aprendi outra — lidar com
malandro, trabalhar otário e adoçar mulher da vida. Quando
Joãozinho quer, cuida como princesa.

No hoteleco, a ponta dos dedos me correu o peito:

— Vida, paizinho.

—————

— O neguinho não toma conta de mim.

Andamos uma vez, duas, na terceira, sei lá, ofereceu dinheiro.
Que catei, claro. Recomendei. Tivesse juízo, Batistão era
um cavalo, mas zangado e enciumado, metido a homem, vivia coberto de Mauser.
Ficou tiririca; tornou a ralhar, de tom mudado:

— O neguinho não toma conta da mamãe.

Mas não foi isso. Foi que na noite, semana sem me ver, com a
cara de chorar, machucada, Guiomar passa de carro defronte ao Danúbio.
Desce e vem dizer ao pé do ouvido. O hálito quente me roçando
a orelha. A vida sem mim não pode ser.

Criançada. Não botava fé naquilo nem jurado de
pés juntos. Um cara como este aqui, vinte anos na noite, viu o diabo
a quatorze. Criancice, fogo de palha. Meti a mina no carro, prometi para
mais tarde.

Sossega. O choro serenando; ganha moral, joga o cabelo para trás
no caído bonito de cabeça. Bato a porta do carro. Brinco:

— Exagerada.

—————

Engrosso, engordo uma birra. Gana esquisita fisgando por dentro ultimamente.
Pegar de jeito, dar um pau em José Batista Pamplona. Mas pau arretado,
de placa, exemplar. Desses de baixar pronto-socorro. O folgado.

Madrugada tinha chegado na praça José de Alencar e aquele
lado do Flamengo dormia. Os autos corriam, poucos, no asfalto que a iluminação
clareava mal. Os oitis das calçadas estavam pretos que pareciam
vultos magros, enormes. A estátua, lá em cima, era uma mancha
escura para quem tocasse para a praia. Nos apartamentos, nenhum olho aceso,
ninguém na bomba de gasolina.

Havia botequim aberto, um só. Fui apanhar cigarros.

Flagrei o velho. Bebia sozinho, último freguês, de costas
para a porta. O garção português, bigodes virados,
gravata-borboleta, aguardava para fechar com o ferro na mão. Aporrinhado,
arriado numa cadeira dos fundos, quase ressonava. Fui chegando manso, devagar,
no lance de dar o bote. Batista não me via. O garção
não me via. A noite corria sem barulho.

Chegando. Podia lhe dar uma porrada de cima pra baixo, empapuçar
a cara balofa no copo e completar serviço com uma cadeira. O cachorro
não teria tempo de dar à Mauser.

Quatro e tanto da manhã. Ele estava sonado, meio triste ou enfarado,
com explosões de alegria que duravam, cabeça pendida no vinho.
Vontade me crescendo. Podia lhe plantar um muquete na cabeça. Ouvi
que rosnava qualquer coisa, de dentro do peito, quando em quando abrindo
os olhos já ressecados. Provavelmente havia passado a noite num
bordel. Mamado, chumbado, derreadinho. Onde eu estava que não lhe
enfiava o cacete? Ficava menor do que era, encolhido ali. Encorujado. Engrolava
na voz pastosa e sumida. Sozinho:

— Chegou Batistão, alegria das mulheres. Chegou o bom, chegou
o dinheiro.

Então, pedi cigarros, paguei, ganhei a praça.

—————

Dama de boca.

Corro a mão na mesa, olho de viés os parceirinhos. Vou
jogar outra vez, de mão. Ganhando alto na ronda, quatrocentas pratas
na parada. Agora, tinha de arrumar jeito e desguiar, antes de algum, mais
malandro, tentar a forra. Boca quente, estávamos na ladeira dos
Tabajaras, bem no pé da favela, bocada perigosa, esquisita demais.
Sair do jogo ganhando, deixando gente mordida, seria arriscar a pele. Mas
a maré era grande, ganhava há uma semana. E mais: vacilou,
dançou. Encarei os parceiros e atirei:

— Paro.

Não se ouvia um nada. Um mulato correu a mão no nariz
num desaponto. Outro mamou o cigarro e um deles sorriu frio. O de olhos
raiados de sangue. Fez, no risinho cínico:

—Já, parceiro?

Maneco do Pinto, dono da mesa, cansou de me tomar dinheiro na ronda.
Espreguiçou-se, gordo, nas costas da cadeira. Tarde, a gente havia
varado noite jogando. Os olhos dos parceirinhos se abotoavam em Maneco,
perguntavam. Tarde no barraco, íamos às cartas sonados, lerdos,
olhos ardendo, tontos de canseira, de fumaça de cigarro. Maneco
liberou, cabeça baixa no baralho, os dedos gordalhudos tamborilando:

— Tá no ré, cara. Te manda.

Aparecesse logo mais para a forra.

Dei de olhos nos caras. Ali tinha coisa preparada? No que abotoei a
japona, senti a máquina na cintura. Bem. Meti o cigarro no bico,
desguiei. O que Deus quisesse. Palavra de Joãozinho da Babilônia
não volta atrás.

Iriam me dar um chá? A descida dos Tabajaras escura, um breu.
À esquerda, num canto do prédio, nego me campanando.

É uma sombra, um vulto, meus olhos não precisam. Luzes
só lá embaixo, no comprimento do asfalto da Siqueira Campos.
Algum medo, podia ser cobra mandada. E eu que marquei de dormir com Guiomar.
Cinco da matina, céu clareando, não passava um carro.

— Meu chefe.

Meto a mão no bolso, apalpo o berro. E marcho, firme, faço
não ouvir.

— Seu Joãozinho.

Diabo. Uma hora dessa dar uma dessa. É um molecote, uns treze-quatorze
anos. Bermuda, camiseta imunda, magrelo, um pivete da curriola de Maneco.
Estou reconhecendo o bichinho, naquela idade já atravessando erva.
Vai me dizendo que está roendo uma beirada de penico, tesinho, numa
pior de fazer gosto. Bem. A mãe na cama, o pai na cadeia. Ou nem
deve ter. Falando que, como eu havia levantado uma nota, estava tomando
liberdade. Bem. Pede um livra-cara. Quem sabe eu podia lhe abonar com uma
nota para as bocas do seu barraco. Lá embaixo, ronca um ônibus
dos que saem do bairro Peixoto e vão para a Estrada de Ferro. Bem.
Olho o moleque, podia era lhe abonar um tiro no pé, cadelinho mordedor.
Mas iria levantar uma lebre sem necessidade. Bem. Até os postes
me conhecem na Favela dos Tabajaras. E o molecote podia me servir mais
tarde. Dá com o meu silêncio, começa a gaguejar. Bem.
Engrola que é emprestado e vai devolver. Então, passo-lhe
duas de dez. Sigo.

O menino solta alguma coisa, que não pego. Deve estar agradecendo.
Diabo. Como resolvo o enrosco com Guiomar? Jogador não empresta
dinheiro, dá. Ou não dá. De mais a mais, silenciei;
o moleque não terá mais peito de suplicar outra vez, no futuro.
Batistão, balofo, vermelho de beber, apalpa as micholas do Danúbio
e entorna bebida francesa. Depois, dá um espetáculo na pista
de dança. Fala com a mão no ar:

— Esquece. Isso morreu.

E chega em casa mijado, quando chega. Cato um táxi, em vez de
me enfiar num ônibus para a Estrada de Ferro, peço a Lapa.
Vou comer um bagulho antes de Guiomar, no hoteleco da rua do Resende. Onde
é que enfio essa mulher? Fosse só bandida, eu não
vacilava, botava a trabalhar para mim. Tomava o que pudesse do velho e
me mandava. Mas acho graça nela. Diabo. Estou muito puto dentro
das calças, não sei se toco para a rua do Resende, se como
no Capela ou torço tudo, esqueço, desguio para a Central.
Menina, pintando os dezessete anos e tinha borogodó.

Esses morros por aí são umas misérias. Quando ganho
no jogo me vem a vontade de ser bom, prestar favores, ajudar algum merduncho
da vida. Uma vontade que procuro empurrar logo para fora de mim. Sou um
homem com mulher honesta, uma filha, onde é que Guiomar vai entrar?
Fosse um cabra-safado, um boiquira, um ponta-firme e tirava essa mulata
da vida. Encarava Batistão, enfrentava. E daí? A mulher é
minha, qu’eu tomei. Tem mais: em vida de marido e mulher ninguém
meta a colher. Quer guerra? A sua é Mauser, o meu é 38.

— O neguinho não toma conta de mim.

Logo me vejo, fantasiando machezas. Tapeio-me, então, com uma
certeza; não passo de leão-de-chácara, o Joãozinho
da Babilônia, porteirinho chué do Danúbio que levanta
algum no jogo, quando a maré é de sorte. Não posso
ter mais de uma família. Pela janela vai me batendo vento na cara
e quando pegamos a praia, olho o céu e vejo o dia, que será
de sol. A japona está incomodando. De chorrilho, multiplicando,
mordendo um tufo. Seis milhas de lucro em menos de uma quinzena. Joguei,
joguei de mão e belisquei. Havia dobrado capital na ronda da Boca
do André, lá no Estácio. Voltei, ganhei três
noites. Os parceirinhos estranhando a onda de sorte, me vendo de lado,
triscado, canto dos olhos, sem bandear a cara. O velho gosta dela? Largava
o lucro em casa, metia no fundo do baú velho, lá com a mulher
em Madureira. Descia para a cidade com um capitalzinho, dava filhote. Estava
rezado?

Guiomar não pára quieta.

— O neguinho não toma conta de mim.

Penso umas coisas da vida. Quando menino, no Morro da Babilônia,
a gente brincava com os cachorros, jogava-lhes pedaços de carne
amarrados a uma linha forte, branca; o bicho engolia e a gente puxava.
A carne voltava do estômago. Bicho estúpido, queixo duro.
A gente jogava de novo, eles vinham abocanhar. Aquilo devia doer. Ela tira
a roupa e seus pêlos ficam mais pretos. Dezessete anos, uma parada;
e me dando algum na mão, para o paizinho, chamando de machucho na
cama, agrado; apesar dos cabelos brancos, diz que sei dar o recado. Batistão
gosta dela? Alivio a grana do velho mijão. Deve sobrar grana. Rezado?
Nada. Maré de sorte é isso. Nadar de braçada, estraçalhar,
ganhar de chorrilho, aprontar façanha, tomar mina do alheio, perturbar,
ganhar outra vez. Dezessete anos, não chega à altura do meio
peito, porreta nos agrados, mulher. Guiomar, apesar da idade, tinha tanta
coisa para me ensinar na cama que eu perdi o remorso.

Aí, eu era impossível no morro e fiquei Joãozinho
da Babilônia. Olho o taxímetro correndo na bandeira dois.

— Chefe, pelo túnel Santa Bárbara.

A patuléia, a ratatuia, a curriola, a patota se arruma no Capela.
A gente boa.

Quase seis da manhã. O Capela ainda ferve na Mem de Sá,
restaurantes embaixo, inferninho no primeiro pavimento. Aquilo aninha uma
cambada bem sortida a esta hora, um dos poucos pontos do centro da cidade
onde a maioria se conhece na misturação — marafonas, bandidetes,
travestidos, jogadores, gente da noite, da polícia, picaretas, jornalistas,
velhos, gente descarrilada, otários, coronéis, safados, cafetões,
homens fanados e com sono, bêbados — da gente abonada e alegre na
bebida aos merdunchos e bicões da noite, sentados, encolhidos, esfomeados,
tesos, sem pedir nada e vendo os outros comer.

Mulher entrando e saindo, sassaricando para os homens, fazendo fricotinho,
subindo ou descendo da boate para o restaurante pela velha escadaria de
madeira, remexendo os corpos, piscando os olhos pintados, chamando, torcendo
as caras cansadas, empetecadas de pintura, que as primeiras horas do dia
começam a desmascarar sem pena.

Aqui, o mais bobo acende o cigarro no relâmpago.

A porta de vidro do Capela abre, fecha, abre. Um formigueiro. Guiomar
me esperando no hoteleco. A porta não tem sossego. Passa-me a idéia
besta, tirava a mulata do velho, arrumava uma casa no subúrbio.
Talvez desse pé, só quarto e cozinha, a maré é
de sorte. Diacho, Joãozinho da Babilônia tem janeiro na noite,
não se ilude feito um menino. Estou pegando amizade.

Logo rio, baixo, cínico no canto da boca, engolindo conhaque
e mordiscando pão, enquanto a comida não vem. Batuco no copo:

— Ao enterro do sabido vão quatro viúvas. Uma não
conhece a outra.

Um crioulinho sustenta um peso no braço esquerdo, de encontro
aos rins e vem que vem curvado. Mas anda rápido, arisco varando
a manhã. Com seus jornais, entra no Capela e grita o nome do primeiro
matutino da cidade.

Compro e esfrio na primeira página. Um frio na nuca, um afogo
na barriga. Depois, amargo na boca. Acima das letras pretas, enormes, a
cara de Guiomar tirada do retratinho do documento. E eu que nunca botei
fé no ciúme do Batista. A vontade me bateu quente, no começo,
num sufoco. Levantava, saía de mesa em mesa no Capela, gritava para
a cambada que foi ele, o velho, o cavalo se metendo a macho. Soquei a mesa
e o conhaque voou.

Mas fico, sem fazer nada, numa ponta da rua do Resende. Os ônibus
comem a manhã e os rádios de pilha tocam músicas caipiras.
Tinha um caído bonito de cabeça para trás e para os
lados, me ficava pequena, menina que não chegava à altura
dos ombros.

Encho as bochechas, sopro, o bolo do peito diminuindo. Procuro cigarro.
Estou ligado — fosse ao hotel, daria uma pista aos ratos da polícia.
Aparecesse no Instituto Médico Legal, ali pertinho, os homens me
iriam prensar. Contasse direitinho o meu interesse pelo presunto.

Primeiros pardais passam entre os oitis da Mem de Sá. Vai ser
dia de sol.

This short story was originally published as “Joãozinho
da Babilônia” in 25 Contos Brasileiros, a special edition
of Status Magazine, No. 23, Editora Três.

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