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The Boys in the Band

Aline couldn’t believe that Eugênio was saying
all those things, asking for time, putting in question their relationship.
They talked a lot and she asked if there was something happening that he
didn’t want to talk about. Nothing was happening, said Eugênio unable
to tell the whole truth. All he needed was some time to think.
By Adelaide Bouchardet Davis

"Agora vejam vocês mesmos, movam, levantem
um braço, dancem uma polca, compensem todos os anos que vocês
viveram cegamente com seus próprios corpos, tentando apalpar um
corpo no escuro—seus próprios corpos—como estranhos, e silenciosos,
e distantes como todos os outros corpos que a vocês não era
permitido tocar."

Carlos Fuentes

El Viejo Gringo

"Tem um recado aí na mesinha do telefone", falou a
mãe assim que ele entrou em casa. "A moça queria falar
com você e eu disse que você chegava depois das sete. Ela deixou
o número do telefone e o nome, e pediu que ligasse amanhã."
Eugênio pegou o papel, foi para a cozinha e beijou D. Ida no rosto.
Tomou um copo d’água e comeu um dos pastéis que estavam sendo
fritos para o jantar. A mãe perguntou se ele havia visto o papel;
ele só mostrou a ela e o guardou no bolso da camisa. Ela continuou
perguntando como tinha sido o dia e ele respondeu desanimado que tinha
sido bom. Ela serviu o jantar e ele comeu em silêncio; ela tentou
puxar um assunto mas ele estava de pouca conversa naquela noite. D. Ida
preocupada falou com o filho: "Cruzes! Parece que você está
no mundo da lua!" Eugênio não quis a sobremesa; levantou-se,
disse que estava cansado e que ia para o quarto. Deu um beijo de boa noite
na mãe e saiu da cozinha.

Entrou no quarto e acendeu a luz do abajur, tirou o casaco de couro
e o jogou na cadeira. Abriu a janela e deixou que o ar fresco da noite
entrasse—respirou fundo, fechando os olhos e sentindo um certo prazer.
Depois desabotoou devagar a camisa e sentiu na pele o friozinho gostoso;
afrouxou o cinto e liberou o corpo do "jeans" pesado. Assentou-se
na beirada da cama, tirou os sapatos, as meias, e ficou olhando o céu
lá fora, céu cheio de estrelas fazendo na escuridão
desenhos de criança.

Eugênio tirou o papel do bolso da camisa. Nele o número
de telefone que ele sabia de cor, e o nome da doutora Ana incomodavam,
assustavam, faziam com que os pensamentos se embaralhassem, atormentando-o.
Lembranças ainda tão recentes tinham gosto de saudade não
resolvida.

Tinha sido um tempo divertido mas a brincadeira acabara. Apesar de tudo,
ainda era bom se lembrar de como as coisas aconteceram desde o começo.

Foi em outubro de 1989; Aline e ele comemoravam três anos de namoro.
Ele a levara para jantar no "Il Trovatore", restaurante italiano
elegante e com uma comida muito especial. Quando Eugênio entregou
à namorada uma caixinha de música, a moça ficou deslumbrada
com o presente. Depois de virar e revirar a pequena peça Aline beijou
o namorado e entregou-lhe um embrulho colorido. Ele abriu o pacote e ficou
surpreso quando viu uma caixa que continha um pequeno tabuleiro de xadrez
com peças de encaixe.

Tomaram vinho branco e brindaram ao namoro. Já haviam pedido
o jantar quando quatro rapazes entraram no restaurante. Todos estavam muito
bem vestidos, mas Eugênio notara o mais alto deles; vestia camisa
branca elegante e calça preta de couro. Entraram como se estivessem
acostumados a freqüentar o lugar. O maître veio atendê-los
sorrindo amigável. Foram conduzidos a uma mesa próxima à
do casal e se acomodaram. Conversavam animadamente e, a não ser
por um gesto ou outro mais descuidado, não passavam de quatro companheiros
que tinham saído para jantar. O garçom veio logo atendê-los
e lhes entregou a carta de vinhos. O rapaz alto sorriu para ele e disse:
"O mesmo de sempre, Atílio". Os outros concordaram e agradeceram
ao garçom que saiu para encaminhar o pedido.

Aline descrevia o vestido de casamento de Vilma, a amiga de infância
que se casaria em dezembro. Eugênio tentava prestar atenção
ao que ela dizia, mas não conseguia. A vontade era de olhar para
aquele homem novamente. Não queria que os ocupantes da mesa ao lado
percebessem que estava olhando. Sentia-se perturbado com aquela vontade
esquisita—sensação completamente nova. Olhava para a namorada
sem ouvir a voz dela. Levantou-se de repente e pediu licença para
ir ao toalete. Quando voltava para a mesa afastou-se e deixou passar o
garçom que trazia o balde de gelo com o vinho para a mesa vizinha.
Acompanhou-o com os olhos e pôde ver que o rapaz alto sorria discretamente
para ele. Assentou-se rápido e disse a Aline que escolhesse uma
sobremesa. Ela pediu profiteroles; ele pediu um café e um licor.
A atração continuava e a moça percebeu que o namorado
estava olhando demais para a outra mesa. Curiosa comentou se ele conhecia
algum dos rapazes. Ele disse que não e ela completou: "Ainda
bem! Parece que todos são gays!" Eugênio olhou
para a namorada um pouco irritado e perguntou: "Por que você
está dizendo isto?" Sem perceber o tom irado com que ele lhe
fizera a pergunta, Aline respondeu: "Porque posso perceber isto claramente,
oras! Não gosto deste tipo de gente. Pra falar a verdade, acho uma
coisa nojenta saber que um homem pode ir pra cama com outro homem. Acho
esta coisa de homossexual uma grande safadeza!" E como se aquilo não
fosse assunto para ser discutido, voltou a falar sobre o casamento da amiga.

Já era tarde e Eugênio pediu a conta ao garçom.
Depois de pagar, levantou-se para ajudar a namorada a pegar a bolsa e a
écharpe. Quando caminhavam para a saída do restaurante,
olhou para a mesa dos quatro rapazes. Sem que Aline percebesse, sorriu
para aquele homem tão atraente, respondendo ao gesto deste último
que levantara o copo de vinho em sua direção. "Devo
estar bêbado ou louco para fazer uma coisa dessas!" pensou ele.
Fora aquela a primeira vez que vira Vado.

Depois de deixar a namorada em casa, Eugênio foi caminhar um pouco.
Não conseguia parar de pensar no que acontecera no restaurante.
Mas não podia ficar a noite toda andando pela rua; tinha de ir para
casa. Morava com a mãe que ficara viúva quando ele estava
com nove anos. Abriu a porta da sala devagar para não acordá-la,
mas não adiantou muito. Quando estava tomando água, D. Ida
veio encontrá-lo na cozinha. Ele comentou que era tarde e que ela
deveria estar na cama. A mãe disse que já tinha dormido um
pouco mas acordara com dor de cabeça. Perguntou como havia sido
o jantar. Eugênio respondeu que correra tudo bem, mas ele estava
com sono e não queria chegar atrasado ao trabalho no dia seguinte.
Mostrou a ela o presente que ganhara e antes de ir se deitar abraçou
a mãe e disse que Aline lhe mandara um beijo.

No quarto, tirou a roupa e ficou de cuecas. Foi ao banheiro, escovou
os dentes e lavou o rosto—estava quente e aquele quarto precisava de um
pouco de ar puro. Abriu a janela e ficou ali por um instante. Pensou novamente
no homem do restaurante, na sua camisa branca, na calça de couro
muito justa. Não conseguia esquecer aquele sorriso! Sentiu uma vontade
imensa de vê-lo novamente. A cabeça latejava forte. Puxa!
O que estava acontecendo? Não! Não era possível que
ele estava pensando numa coisa daquelas! Lembrou-se de Aline comentando
com nojo o fato de dois homens dormirem juntos. Sentiu raiva dela. Desejou
que aquele homem estivesse com ele na cama.

Foi se deitar preocupado e tenso; teve sonhos confusos.

Acordou cedo no dia seguinte; sentia o corpo doído. Tomou um
banho apressado e bebeu rápido o café que D. Ida já
preparara. Disse que estava atrasado, despediu-se dela e lembrou-lhe que
era dia de pagar o aluguel. Trabalhou muito o dia todo. Por volta das quatro
e meia estava comendo um sanduíche e se lembrou novamente do homem
no restaurante. Puxa! Ele tinha pirado de vez! Alguma coisa estava muito
errada! O Eugênio que conhecia era macho, gostava de mulher, gostava
de ir para a cama com elas, gostava de sentir o cheiro delas. Este de agora,
definitivamente, não era ele! Tinha de acabar com aquilo de uma
vez por todas. Ficar pensando em homem, ter prazer com isto… Ah! Esta
não! Era fora de propósito! Voltou ao trabalho e tentou não
pensar mais naquilo.

Em seu salão de beleza Vado conversava com Catarina sobre o jantar
da noite anterior. Enquanto pintava os cabelos da cliente, ia contando
com detalhes como era o rapaz que estava na mesa ao lado da sua. "Ele
era, nada mais, nada menos do que maravilhoso! Só vendo para acreditar!"
Catarina riu e comentou: "Mas Vado, todos eles são sempre maravilhosos!
Ele estava sozinho?" Com um ar decepcionado, o cabeleireiro falou:
"Não, minha filha! Estava lá com uma menininha muito
apagadinha! Imagina, aquele charme de homem com uma mulher sem nenhum sex-appeal!
Um desperdício!" A cliente perguntou: "Você sabe
o nome dele, pelo menos? Chegaram a conversar?" Vado disse que a única
coisa que tinha acontecido era um flerte rápido com aquele homem
de olhos lindíssimos de sombrancelhas escuras; mas tinha certeza
de que o outro havia sentido alguma coisa diferente porque "na hora
de sair ele olhou pra nossa mesa e sorriu quando eu levantei o copo".
O cabelo estava pronto e Catarina fez o cheque. Entregou-o ao amigo e disse
só para ele: "Vê se não deixa mais um infernizar
a sua vida. Acho que você já passou por muita coisa ruim e
não merece ter gente pra ficar explorando seus sentimentos e seu
bolso. Não é da minha conta mas eu tenho idade para ser sua
mãe e gosto demais de você. É muito ruim quando eu
vejo que alguém está fazendo você sofrer". Vado
beijou-a com carinho e falou: "Pode deixar minha bela; desta vez vou
me cuidar. E afinal, não precisamos nos preocupar com isto porque
tenho certeza de que nunca mais eu verei aquela coisa linda novamente!"
Catarina se foi e Vado já estava atendendo outra cliente. Ela pediu
um corte que a fizesse mais nova; discutiram sobre o comprimento do cabelo—quem
sabe precisaria trocar aquela cor por alguma coisa mais suave, que não
a deixasse com um rosto tão pesado! Lembrou-se do casal da noite
passada—aquela menina precisava de um bom retoque naquela cabeleira sem
graça.

Eugênio evitou encontrar-se com Aline durante a semana e arranjou
desculpas para o sábado e o domingo. Saiu no final de semana com
João Ricardo, seu amigo de tantos anos; achou que poderia falar
com ele sobre o assunto, porque não teria nunca coragem de se abrir
com a mãe—ela não entenderia. Mas não soube como começar
a falar sobre aquelas coisas com João; na verdade ele não
era a pessoa mais indicada para ouvir—aquele, sim, era um macho cinco estrelas!

Depois da noite no restaurante, as coisas haviam mudado entre ele e
a namorada; pelo menos ele não era o mesmo. Resolveu falar com ela
e acabar com aquele namoro de uma vez. Depois de pensar muito no que dizer,
foi até à casa da moça e falou que estava querendo
um tempo para pensar se aquele relacionamento era o que ele queria realmente
naquela fase de sua vida. Aline não podia acreditar que Eugênio
estava dizendo aquelas coisas, pedindo tempo, questionando a relação
deles. Conversaram muito e ela perguntou se estava acontecendo alguma coisa
que ele não queria lhe dizer. Sem poder ser franco com a moça,
Eugênio disse que não estava acontecendo nada. Ele só
precisava de um tempo para pensar.

Agora estava sozinho. Queria ver aquele homem que não saía
de sua cabeça confusa, de seu coração cheio de sensações
novas que assustavam.

Dois meses depois, num sábado à noite, teve finalmente
coragem de voltar ao restaurante italiano—"quem sabe ele não
estará lá!" Chegou por volta das nove horas. O maître
veio recebê-lo e o levou a uma mesa pequena no fundo do restaurante,
de onde ele podia ver todas as pessoas que entrassem ali. Pediu uma garrafa
de vinho branco e queijo. O tempo passava devagar, mas o gosto do vinho
lhe dava prazer. Vado chegou acompanhado de dois amigos e não o
viu. O coração de Eugênio batia acelerado. Teve vontade
de desaparecer, de sair daquele lugar correndo, de ser invisível.
Sentiu culpa, arrependimento, raiva de estar ali, e uma vontade imensa
de olhar para o homem que, desta vez, usava uma roupa clara extremamente
elegante. De sua mesa observava todos os movimentos dos três que
acabavam de chegar. Depois de pedirem as bebidas e escolherem o jantar
eles conversavam animados mas discretos. Eugênio chamou o garçom
para fazer o pedido—estava nervoso e sentia a boca seca. Uma música
tocava suave e ele tentou prestar atenção. De repente, viu
que o homem tão desejado atravessava o pequeno espaço que
separava as mesas. Chegou e se apresentou: "Olá, como vai?
Meu nome é Vado; na verdade, Osvaldo, mas todo mundo me chama pelo
apelido; eu me acostumei tanto que às vezes até me esqueço
que é apenas um apelido. Posso me sentar por um momento?" Eugênio
se sentiu como em um sonho, onde seus movimentos eram em câmera lenta;
sua voz saiu quase inaudível quando disse: "Claro! Esteja à
vontade." E se apresentou. Vado disse que já o vira ali antes
e não esperava encontrá-lo novamente; já havia voltado
lá várias vezes e não tinha tido o prazer de vê-lo
mais. A vontade era de se explicar, mas Eugênio não disse
nada; apenas olhava para o outro. E começaram a conversar como velhos
conhecidos. Vado era tão especial, falava de um jeito tão
envolvente que Eugênio se sentiu um menino perto dele. Às
vezes se sentia zonzo, como se o vinho estivesse fazendo efeito, mas a
sensação era boa. Vado pediu licença e foi dizer aos
companheiros que ia ficar na mesa de Eugênio. Voltou trazendo consigo
o copo de vinho e pediu a Atílio que servisse seu jantar ali. Depois,
os dois novos amigos conversaram sobre vários assuntos e descobriram
coisas que tinham em comum. Quando, no final da noite, o garçom
trouxe a conta Vado fez questão de pagar. Eugênio se sentiu
embaraçado mas o outro cuidou da situação com muita
elegância.

Saíram do restaurante já tarde. Vado o convidou para um
drinque em sua casa; Eugênio aceitou e eles foram para o carro vermelho
parado do outro lado da rua. Chegaram a um alto e elegante prédio
de apartamentos. Vado cumprimentou o porteiro que os olhou com naturalidade.
O hall de entrada era luxuoso, cheio de plantas e quadros de bom
gosto. No elevador, Vado marcou o oitavo andar.

Eugênio ficou impressionado quando entraram no apartamento. Tudo
era muito bem decorado com peças de extremo bom gosto. Longas cortinas
balançavam em frente de imensas janelas abertas na sala de visita.
De lá se podia ver toda a cidade transformada em um pacote de pequenas
luzes. Em toda a sala predominava o verde claro e o rosa champanhe, com
uns toques de azul muito leve. Sofás e cadeiras, distribuídos
harmonicamente, compartilhavam com tapetes, outros móveis e quadros
magníficos o espaço aconchegante. Numa pequena mesa, ao lado
do aparelho de som, estava um vaso com flores frescas que davam um toque
de classe ao ambiente. Vado apagou as luzes, deixando apenas o abajur que
lançava uma claridade muito suave; depois colocou uma música
e foi preparar os drinques. O ar fresco entrava pela janela aberta e o
silêncio da noite se misturava ao som do Concerto número dois
para piano de Rachmaninoff. Tudo estava muito calmo e aquele era um momento
mágico. Eugênio se sentia mais à vontade quando o amigo
lhe entregou o drinque, convidando-o a se sentar. Os dois continuaram a
conversa iniciada no restaurante; falaram de si mesmos e de coisas que
gostavam. De repente, Vado perguntou: "Por que você voltou ao
restaurante?" Sem pensar, sem tentar encontrar uma desculpa, Eugênio
respondeu apenas: "Porque eu queria ver você, conhecer você,
falar com você". Vado foi direto quando perguntou: "Você
já esteve envolvido antes em situação semelhante?"
Eugênio respondeu: "Não, esta é a primeira vez
e eu ainda não consigo entender o que está acontecendo comigo.
Nunca em minha vida me imaginei envolvido com outro homem. Isto me assusta,
mas também me excita. Não quero ir embora, não quero
perder você de novo. Tudo parece loucura mas não quero pensar
sobre isto. Quero ficar aqui com você." Vado o abraçou
e os dois se beijaram. A sensação era de que o tempo parara
ali. Ficaram assim, abraçados sem dizer nada, apenas sentindo o
calor um do outro. A música suave andava pela sala e envolvia a
emoção dos homens que, naquele momento, eram apenas dois
seres cheios de deseaw6kx e expectativas. Não pensavam em nada, só
se acariciavam devagar e ouviam os próprios corações
que batiam forte. Aos poucos foram tirando as roupas, e experimentando
o prazer de serem parte um do outro. Fizeram amor lá mesmo, no chão,
sobre aqueles tapetes macios. Para Eugênio tudo era totalmente novo.
As sensações eram muito especiais quando o outro o acariciava,
beijava seu corpo de uma forma tão gentil, fazia carícias
extremamente sensuais. Não era possível que aquilo estivesse
acontecendo com ele! Seu corpo dominava e era dominado, o desejo crescia
a cada toque, a cada movimento. As mãos se encontravam, os corpos
se pertenciam. Ele não sentiu vergonha, não sentiu repulsa,
não sentiu que fazia nada de errado. Sentiu prazer, mais do que
tudo; sentiu vontade de ficar ali, com Vado, para sempre. Depois de algum
tempo na sala, foram para o chuveiro. A água quente que caía
sobre os dois corpos abraçados aumentava o prazer e o desejo; não
diziam nada, apenas se tocavam, apenas se queriam mais e mais. Foram para
a cama e, misturando suor com o resto de água que a toalha deixara
nos corpos nus, eles fizeram amor novamente. Depois, cansados, os dois
homens adormeceram.

Eugênio acordou assustado no dia seguinte. Ficou confuso com o
lugar que não reconheceu imediatamente. Olhou para o lado e viu
que estava sozinho na cama. Levantou-se e procurou suas roupas. Elas estavam
colocadas com cuidado na cadeira do quarto. Foi ao banheiro e tomou um
banho rápido, depois de usar um barbeador elétrico que estava
ao lado da pia; secou e penteou os cabelos antes de voltar para o quarto
e vestir-se. Pensou na noite anterior e teve sensação de
sonho. Saiu do quarto e seguiu o cheiro de café. Vado estava preparando
alguma coisa para eles comerem e quando Eugênio entrou na cozinha
virou-se, olhou para o amigo perguntando se ele dormira bem. Eugênio
respondeu que sim, se assentou e pôs café numa xícara.
Depois de tomar um pouco, ficou olhando para o que sobrara no fundo da
louça e começou a falar: "Pode ser que eu esteja ficando
maluco. Não consigo entender ainda o que mudou em mim, estou confuso
com tudo isto, mas não me arrependo de nada. Sei de uma coisa: eu
gosto de você." E voltando-se para o outro que se assentara
à mesa perguntou: "Posso voltar?" Vado disse apenas: "Eu
gostaria muito que você voltasse sempre".

Aquele fora o começo do relacionamento deles.

Aline e Eugênio não se viram mais. De vez em quando D.
Ida recebia um telefonema da moça e comentava qualquer coisa com
o filho que não dizia nada a respeito

A relação com Vado já durava algum tempo e era
um tempo feliz. O amigo estava sempre lhe dando presentes caros e, algumas
vezes, fabulosos, como a motocicleta Kawasaki 400cc, que ele recebera pelo
aniversário. Fora uma surpresa e ele disse que não poderia
aceitar. Como explicaria aquilo para D. Ida?! Vado o convencera a dizer
que havia conseguido comprar por um bom preço, com o dinheiro que
vinha juntando há tempos. Eugênio finalmente concordou em
aceitar o presente e, sentindo-se um pouco incomodado repetiu para ela
a explicação que Vado inventara. A mulher, que não
sabia quanto custava uma geringonça daquelas, se convenceu de que
o filho estava mesmo precisando de um tipo qualquer de transporte para
ir trabalhar.

As roupas agora eram diferentes, os ambientes eram diferentes… os
amigos eram diferentes. Nos finais de semana faziam compras para a casa,
e Eugênio se espantava com o quanto gostava de fazer isso com Vado.
Iam sempre a restaurantes caros e elegantes, faziam passeios ótimos
nos feriados prolongados, freqüentavam juntos a academia de ginástica.
Vado não deixava que Eugênio pagasse as contas pois sabia
que o amigo não tinha um salário que permitisse isso. Estava
sempre comprando para ele roupas novas e caras, sapatos e cintos, meias
e produtos de perfumaria. Adorava ver Eugênio surpreso, mas deliciado
com todo aquele novo mundo. À noite, quando Eugênio chegava,
ia tomar um banho e encontrava o cartão com seu nome sobre caixas
e sacolas que Vado havia colocado sobre a cama. Ia falar com ele insistindo
para que parasse de mimá-lo tanto, mas o amigo dizia que gostava
de fazer aquilo, que ficava feliz. Depois do banho, já descansado,
Eugênio pegava o copo de vinho branco que Vado lhe trazia e se assentavam
na sala. Assistiam juntos algum programa na televisão, viam um filme
no vídeo, ou ouviam música e conversavam sobre o dia, enquanto
comiam uma coisa qualquer que Vado sempre preparava. A cada noite o prazer
de sentir prazer e a vontade eterna de estarem juntos aumentavam, e eles
se deixavam envolver mais e mais.

Eugênio parara de sair com os colegas de trabalho para uma cerveja
depois do serviço. João Ricardo ficara escandalizado quando
o amigo finalmente lhe contou sobre a relação em que estava
envolvido e disse que não queria ser amigo de homossexual. Eugênio,
que já esperava uma reação como aquela, não
se importou muito. Agora morava parte do tempo no apartamento de Vado.
D. Ida, ignorando o que se passava com ele, não se incomodava pelo
fato de Eugênio estar sempre tão ausente; ele precisava mesmo
de liberdade para dormir na casa de amigos, sair com eles, passear e conhecer
outros lugares. Às vezes ficava um pouco preocupada quando passava
alguns dias sem ter notícias do filho; mas quando ele telefonava
ela se sentia tranqüila.

A vida de Eugênio se modificara completamente, mas ele não
estava assustado. Passou a achar muito natural aquele relacionamento. Vado
se sentia extremamente feliz e parecia uma criança com brinquedo
novo. Não comentava com os amigos sobre a nova fase que estava vivendo—não
queria que eles se envolvessem ou dessem palpite. Alguns reclamavam que
ele não saía mais para jantar com eles, mas entendiam que,
de alguma forma, o amigo estava feliz. Apenas Catarina ouvia as confidências
de Vado; ele confiava na cliente e amiga de tantos anos, de quem gostava
como se fosse a "mãezona" que ele queria ter tido. Ela
o entendia, não se escandalizava, não censurava. Apenas pedia
a ele que tomasse cuidado para não se magoar; ela estava feliz por
ele mas, ao mesmo tempo, preocupada.

Um ano se passara desde que se conheceram. No carnaval de 1991, os amantes
foram para Cabo Frio. Eugênio não conhecia o lugar e ficou
maravilhado. Vado queria fazer-lhe todas as surpresas e agrados; o amigo
não se fazia de rogado e gostava de ser tratado daquela maneira.

No sábado de aleluia daquele mesmo ano, Vado convenceu Eugênio
a sair fantasiado em uma banda que desfilava todos os anos pela cidade.
Na sexta-feira, Vado trouxe a fantasia de Batman—a máscara fez Eugênio
se sentir mais confortável. No sábado, pela manhã,
os dois tomaram uma boa dose de gim tônica e a bebida ajudou a relaxar.
Vado se fantasiara de Capitão Gancho e os dois saíram de
casa às gargalhadas. O desfile durou todo o dia e, enquanto dançavam,
os participantes bebiam cerveja, se abraçavam e se reconheciam.
Eugênio nunca vira alguns daqueles amigos de Vado mas foi apresentado
a eles assim que chegaram ao local de onde a banda sairia. Um deles, que
se vestia de "Dama das Camélias", com vestido longo e
coberto de flores, cabeleira preta e cheia de cachos, botas de exército
e um imenso bigode, abraçou o novo parceiro e disse quase gritando:
"Seja bem-vindo à ala dos alegres rapazes da banda!" Uma
sensação de desconforto tomou conta de Eugênio. Vado
o chamou e estendeu em sua direção uma lata de cerveja gelada.
O desfile durou toda a tarde. A música e o barulho envolviam a todos
que iam se juntando ao grupo alegre; as pessoas se abraçavam e dançavam
com se fossem eternamente parte daquela folia. No final do dia, com a cabeça
girando e o corpo leve, os dois amigos tomaram um táxi que os deixou
em casa. Quando finalmente se livraram das fantasias, e do cheiro de suor
que desapareceu com um bom banho, eles foram para a cama. Conversaram um
pouco sobre a festa, comentando as excentricidades; riram demais quando
Vado se lembrou que "a dama das camélias" havia se engraçado
com um mulato forte e alto, fantasiado de "viking", com tranças
louras e longas, capacete tradicional com chifres, vestindo sandálias
de soldado romano. No final do desfile, os dois estavam abraçados
e o "viking" tinha uma camélia enfiada em uma de suas
tranças. Uma chuva fina caía lá fora refrescando a
noite quente. Vado abraçou Eugênio e os dois dormiram profundamente.
O tempo ia passando e, às vezes, o relacionamento se tornava tenso.
Vado sentia ciúmes que muitas vezes não conseguia controlar.
Eugênio se aborrecia quando era acusado de parecer distante ou menos
interessado que antes. Depois de alguma discussão Eugênio
acabava convencendo o amigo de que ele via coisas onde elas não
existiam. Vado não conseguia ficar magoado por muito tempo com o
amante. E fazer amor voltava a ser um imenso prazer.

Já estavam juntos por dois anos. Aline tentou a reconciliação
algumas vezes, mas Eugênio disse que era impossível, que ela
deveria procurar ser feliz e esquecê-lo definitivamente. Ele chegou
até mesmo a receber um telefonema do pai da moça; com muito
cuidado o homem falou com Eugênio que se fosse questão de
dinheiro ele não precisava se preocupar porque, como presente de
casamento, o casal ganharia um apartamento mobiliado. Eugênio explicou
que não era nada daquilo. Queria que eles procurassem entender que
ele não gostava de Aline o suficiente para continuar com qualquer
tipo de relacionamento. Finalmente a moça não ligou nem o
procurou mais. "Foi melhor assim", pensou Eugênio, que
não sabia mais o que fazer para se livrar dela.

Catarina chegou ao salão cedo, na quinta-feira. À noite
iria a um jantar-dançante onde estaria comemorando com as amigas,
naquele mês de novembro de 92, trinta anos de formatura do ginásio.
Ela queria estar muito elegante e precisava dar um jeito no cabelo sem
corte, jogar nele uma cor bem bonita e arrumar as unhas. Vado não
havia chegado ainda, mas telefonara e pedira que avisassem à cliente
que ele chegaria dentro de meia hora. Chegou com ar cansado e cumprimentou
com um bom dia seco as pessoas que estavam lá. Catarina notou que
o amigo estava diferente, mas não fez nenhum comentário.
Enquanto ele trabalhava com o cabelo dela, a manicure cuidava das unhas.
Vado estava silencioso e não conversaram. Quando a cliente ficou
pronta, ele disse à funcionária da recepção
que estava saindo para tomar um café. Perguntou à amiga se
ela teria um tempinho para comer alguma coisa com ele na lanchonete próxima
ao salão de beleza. Ela disse que sim e os dois seguiram juntos
para o lugar. Vado pediu um café puro; Catarina pediu um café
e um pedaço de torta de nozes. Assentaram-se à mesa e Vado
segurou a mão da amiga. Olhou para ela e disse simplesmente: "Estou
com AIDS". Abaixou a cabeça e não falou mais nada. Catarina
descansou a xícara no pires e, depois de um breve silêncio,
perguntou: "Quando você soube disto?" Ele respondeu, sem
levantar a cabeça: "Hoje de manhã. Meu médico
me chamou ao consultório e me mostrou os resultados dos exames que
fiz". Ela chegou a cadeira para perto do amigo e colocou o braço
sobre os ombros dele. Não disseram nada, só ficaram ali quietos,
olhando para os carros que passavam lá fora.

A princípio ele pensou em esconder do amante aquela notícia
terrível. Mas não poderia fazer isto, era desonesto não
alertá-lo para o que estava acontecendo. Eugênio chegou em
casa e sentiu que alguma coisa estava errada, mas não fez nenhum
comentário. Beijou Vado e lhe perguntou como fora o dia; contou
que se encontrara com João Ricardo e que o "amigo" fingira
que não o conhecia—ridículo! Depois foi para o chuveiro esperando
que o outro viesse para o quarto. Ele não foi. Eugênio foi
encontrá-lo na sala, quieto, com um copo de vinho branco na mão.
Quando o viu chegando, Vado lhe pediu que se assentasse porque precisavam
conversar. Entregou a ele um copo de vinho e, sem rodeios, deu a notícia.
A reação foi de incredulidade. Eugênio, pálido,
olhando para o amigo, disse, quase gritando: "Impossível! Não
pode ser verdade porque você está muito bem de saúde!
Não diga uma coisa destas para mim porque eu não vou acreditar!"
Vado ficou silencioso, brincando com o vinho no copo. Eugênio chegou
até à janela e ficou olhando para o nada. Finalmente voltou
e abraçou o amigo pelas costas. Ficou assim por um momento e depois
disse devagar: "Estamos nisto juntos. Eu te amo e a gente vai fazer
o que for preciso. Eu ficarei com você sempre." Os dois choraram
juntos; um choro de dor, de revolta, de saudade de tempos que não
voltariam mais, tempos que começavam a acabar ali.

A doença foi rápida; os sintomas externos dela se manifestaram
logo. Muitas clientes do salão foram se afastando aos poucos. Algumas
tinham compaixão, outras tinham curiosidade, mas a maioria tinha
medo. Catarina continuou indo para arrumar o cabelo e todas as manhãs
passava para saber como o amigo se sentia. Ele se cansava depressa e seus
ajudantes tinham de fazer o trabalho. Os medicamentos não faziam
mais efeito; as drogas caras e importadas já não lhe davam
nenhuma esperança. Finalmente ele entregou a gerência do salão
a uma funcionária mais antiga.

Eugênio mudou-se para o apartamento de Vado. Disse a D. Ida que
era uma mudança temporária porque ele precisava ajudar um
amigo; tirou uma licença do trabalho para cuidar do amante que estava
muito mal.

Era doloroso estar ao lado dele todo o tempo, vendo-o tomar a forma
da doença que sem piedade alguma se apropriava do corpo do homem
que ele amava tanto. Não reconhecia mais as pernas fortes e bem
feitas, os braços que sempre o haviam envolvido com tanto carinho;
o que estava sobre a cama não passava de um amontoado de ossos cobertos
por uma pele sem cor. O rosto de traços tão bonitos não
era senão uma máscara com olhos fundos e sem brilho, uma
boca de lábios descoloridos e ressecados. Eugênio cuidava
dele tentando minorar a dor e o sofrimento do amigo; era extremamente difícil
vê-lo morrendo a cada minuto—uma morte lenta, sofrida, desesperante.
Vado resistia se agarrando à vida, sem querer ir embora tão
cedo—tinha apenas trinta e quatro anos. Passava as noites praticamente
acordado e tinha medo de ficar sozinho; dizia ao amigo que dormisse porque
se precisasse de alguma coisa chamaria. Eugênio tentava ficar acordado
também mas estava exausto depois de tantas noites em claro e acabava
dormindo. Vado acariciava seus cabelos e um choro silencioso vinha junto
com lembranças de um tempo tão especial.

Foi numa noite quente de março de 1993 que Eugênio acordou
assustado com Vado lhe chamando e pedindo que abrisse a janela porque não
conseguia respirar. Levantou-se depressa, acendeu a lâmpada de cabeceira
e abriu a janela. Voltou para o lado do amigo, ajeitou os travesseiros
e os lençóis e perguntou se ele se sentia melhor. Vado tentou
esboçar um sorriso mas não conseguiu. Eugênio falou:
"Acho que é melhor eu levar você para o hospital. Não
temos aqui o que é necessário para você se sentir melhor.
Eu sei que esta não é sua vontade mas é hora de fazermos
isto. Tenho certeza de que vai ficar mais confortável. Eu vou ficar
lá o tempo todo, não se preocupe. Vai ser bom, você
vai ver, e eu vou ficar mais tranqüilo." Vado concordou. Eugênio
trocou a roupa do amigo que, extremamente fraco e com a respiração
difícil, não conseguia se manter de pé. Todas as roupas
eram agora imensas para aquele corpo tão frágil. Quando estava
pronto, Eugênio o carregou no colo até o carro; era como carregar
uma criança; aquele homem, antes tão grande e forte, estava
agora extremamente leve. Chegaram ao hospital e os enfermeiros o levaram
para o quarto. Durante toda a noite Vado não se acalmou e mesmo
com o oxigênio parecia que o desconforto não o abandonava.
Já estava internado há oito dias; os momentos de lucidez
eram bem poucos.

Era terça-feira e o dia estava muito quente. Catarina estava
no quarto conversando com Eugênio. Passara a tarde lá para
que o outro pudesse descansar um pouco. Com uma voz muito baixa Vado os
chamou para perto de sua cama. Eles se aproximaram e ele disse para Catarina:
"Minha bela e fiel amiga, obrigado por tudo". Depois segurou
a mão do amigo, olhou para ele e disse com dificuldade: "Você
me fez extremamente feliz. Amei você demais e não queria que
as coisas acabassem assim." E fechou os olhos. Todo o desespero terminava
ali. A expressão agora era de paz; finalmente ele parava de sofrer.
Catarina abraçou Eugênio e ficaram assim por um tempo, quietos.
Ele deixava que as lágrimas viessem livres agora; não precisava
mais fingir que estava tudo bem, não precisava ser forte; o amigo
não estava mais ali. A vontade era de gritar de dor mas ele ficou
em silêncio.

Já se haviam passado sete meses desde que Vado morrera. Eugênio
voltara para a casa da mãe. Um testamento deixado pelo amante fê-lo
herdeiro de seus bens. Os gastos com a doença foram imensos e Eugênio
usou parte do dinheiro para pagar as despesas. O apartamento foi vendido,
o salão foi fechado.

Em pé, diante da janela do quarto, Eugênio pensava em Vado.
Teve vontade de chorar. Merda de vida! Por que as pessoas não podem
simplesmente viver, sem terem de se arrepender a cada passo, a cada movimento!
Droga! Queria ter o amigo ali com ele, precisava dele mais do que nunca—que
falta ele lhe fazia, que saudade dos carinhos e dos beiaw6kx dele! Olhou
mais uma vez para o papel com o número do telefone e o colocou sobre
a mesinha ao lado da cama. Estava muito cansado e precisava dormir. Apagou
a luz e deitou-se como estava. O vento fresco entrava pela janela e a lua
cheia brincava com as estrelas.

Os Alegres Rapazes da Banda is this short story’s
original title.

Its author, Adelaide Bouchardet Davis, born in Visconde
do Rio Branco, Minas Gerais state, is a writer and professor of Portuguese
at Denver University, Colorado, USA. You can reach her via E-mail: addavis@du.edu

Copyright © by Adelaide Bouchardet Davis

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