O
pobre índio revirava os olhos.
Começava a contar, e não ia
além do dois. Não havia nada
que o fizesse adotar o conceito
extremamente complicado do
número três, do quatro, ou do
vinte. "O que há de errado com
a nossa maneira de contar?"
perguntou. Só precisamos de
dois números para contar
o universo."
by: Willer
de Oliveira
When the young Antônio Homoxi woke up in the morning,
he didn’t know that the world had been shocked by the news
that seventy-three Yanomami Indians had been killed by gold
miners in the equatorial Amazon, in retaliation for the
new reservation created by the Brazilian government.
To make
things worse, the city and the jungle were full of conflicting
information. There was talk about the killing, but not a
single body had been found. Some said the Indians had cremated
their dead and had eaten the ashes with bananas, as part
of a funeral ritual. Others joked about the accuracy of
the number of victims, since the Yanomami people, one of
the most primitive tribes, still in the Stone Age, did not
have much notion about numbers, time, and space.
"These
are stupid Indians who cannot count beyond the number two,"
said a miner lobbyist to a television station. "Above
two, they clap their hands and say `many, many, many’ to
express higher numbers. The massacre never happened. It’s
pure invention on the part of the Indians and the communist
priests."
Meanwhile,
on the upper banks of the Orinoco River, the missionary
sister Maria Carmela went over an elementary math table
with the 17-year-old Antônio Homoxi, the sole survivor
of the massacre.
"You
already know how to read and write in Portuguese. Now you
need to learn how to count. Don’t embarrass me in front
of the Archbishop and the international press with your
stubborn way of counting. Tell everybody that you are alive
because you hid from the white men while they mutilated
the bodies of your people. You counted them all. Now, repeat
with me, Antônio:
"One
+ one = two
One
+ two = three…."
The
poor Indian rolled his eyes in frustration. He started to
count, but did not go beyond the number two. There was nothing
in this world that would make him adopt the abstract concept
of the numbers three, four, or for that matter, twenty.
"What
is wrong with my way of counting?" asked the perplexed
Indian. "I only need two numbers to count the universe.
And if I am not mistaken, isn’t this the way your computers
operate?"
"Yes…
With zeros and ones."
"Well
then," said Antônio, "mine is a binary system
too: one, two. The number three is nothing more, nothing
less than two plus one. Four is two plus two; five is two
plus two plus one. We can go on forever, ad infinitum.
Very simple to me."
And
with determination, totally oblivious to the nun’s presence,
the Indian proceeded undistracted in his ritual. Clapping
his hands with a high and low pitch to differentiate the
number one from the number two, like in a Morse code, Antônio
Homoxi recited the astronomic, but calculable number 73
of the victims of the massacre.
Willer
de Oliveira (b. 1954) was born in Rio de Janeiro. He studied
chemistry at Rio de Janeiro Federal University and graduated
with a MS degree in Forest Products and a PhD in Materials
Science from Virginia Tech in the US. He works as a Chemical
Engineer and lives in Mt. Pleasant, South Carolina. He can
be reached at willer2002@hotmail.com.
Idade
da Pedra
O
pobre índio revirava os olhos.
Começava a contar, e não ia
além do dois. Não havia nada
que o fizesse adotar o conceito
extremamente complicado do
número três, do quatro, ou do
vinte. "O que há de errado com
a nossa maneira de contar?"
perguntou. Só precisamos de
dois números para contar
o universo."
Willer
de Oliveira
Quando o jovem Antônio Homoxi acordou naquela manhã,
ele não sabia que tinha chocado o mundo com a notícia
de que setenta e três índios Yanomamis haviam
sido assassinados pelos mineiros na Amazônia equatorial,
em retaliação a uma nova reserva indígena
criada pelo governo brasileiro.
Para
piorar ainda as coisas, a cidade e a floresta estavam vivas
de informações conflitantes. Diziam que 73
índios haviam morrido, mas nenhum fora ainda encontrado,
pois era hábito dos Yanomamis cremarem os corpos
e os comerem com banana, como parte de um ritual funerário;
outros gracejavam da veracidade do número das vítimas,
uma vez que os Yanomamis, uma das mais antigas tribos ainda
na idade da pedra, não tinham muita noção
sobre números, tempo, e espaço.
Trata-se
de estúpidos índios que não sabem contar
além do número dois dizia um dos mineiros
lobistas numa entrevista a uma estação de
televisão.
Além
do dois, eles batem palmas e dizem muito, muito, muito
para expressarem qualquer número. Este massacre nunca
existiu.
Enquanto
isto, nos altos bancos do rio Orinoco, a irmã missionária
Carmela lia uma tabuada ao índio de dezessete anos
Antônio Homoxi, o único sobrevivente do massacre.
Você
já sabe ler e escrever em português. Agora
só precisa aprender a contar. Não me faça
passar vergonha perante o arcebispo e a imprensa internacional
com a sua maneira cabeçuda de contar. Diga que se
salvou porque se escondeu dos homens brancos enquanto estes
mutilavam os corpos dos Yanomamis, seu povo. Você
os contou todos. Repita comigo Antônio:
Um
+ um = dois
Um
+ dois = três ….
O pobre
índio revirava os olhos com aflição.
Começava a contar, e não ia além do
número dois. Não havia nada neste mundo que
o fizesse adotar o conceito abstrato e extremamente complicado
do número três, do quatro, ou do vinte.
O
que há de errado com a nossa maneira de contar? perguntava
perplexo o índio Só precisamos de dois
números para contar o universo. E se não me
engano, não é desta maneira que os seus computadores
operam?
Sim…
Com zeros e uns.
Pois
então disse Antônio operamos com
uns e dois.
Um,
dois. O três não é nada mais nada menos
que dois mais um. O quatro, dois mais dois; o cinco, dois
mais dois mais um. Podemos continuar, deste jeito, ad
infinitum. Compreende?
E assim
falando, com paciência e determinação,
totalmente esquecido da presença da freira, o índio
prosseguia com o seu ritual. Modulando o ritmo das palmas
em tom alto e baixo para diferençar o um do dois,
qual no código Morse, Antônio Homoxi recitava
o astronômico, mas calculável número
73 das vítimas do massacre.